Bolsonaro, uma semana antes do segundo turno, fez referências a área de desova de mortos da ditadura militar
Em outubro, a uma semana da eleição, milhares de admiradores de Jair Bolsonaro (PSL) ficaram extasiados ao ouvi-lo prometer enviar “a petralhada” para a “ponta da praia”.
O que Bolsonaro quis dizer com isso?, era a pergunta que muitos se fizeram após o presidenciável declarar: “Petralhada, vai tudo vocês pra ponta da praia. Vocês não terão mais vez em nossa pátria porque eu vou cortar todas as mordomias de vocês. Vocês não terão mais ONGs para saciar a fome de mortadela. Será uma limpeza nunca vista na história do Brasil”.
Um local para executar opositores. Ao menos é essa a referência usada por Bolsonaro, que nesta terça (1º) será empossado como 38º presidente do Brasil, o terceiro militar eleito pelo voto direto -antes do capitão reformado vieram Hermes da Fonseca, em 1910, e Eurico Gaspar Dutra, 1945.
Ponta da praia é uma referência à base da Marinha na Restinga da Marambaia, no Rio, onde Bolsonaro passou o Natal. “Um local onde mais uma vez pude vivenciar a relação social de extrema importância entre os moradores, civis e militares da região”, ele tuitou sobre a experiência.
A mesma ponta da praia com o tempo virou uma gíria entre militares linha dura para designar lugar clandestino para interrogatório com tortura e eventual morte, explica o professor de história da UFRJ Carlos Fico, especializado na ditadura militar brasileira.
“Ao longo dos anos, já ouvi de vários militares essa expressão”, afirma o historiador.
Um assessor de Bolsonaro confirmou à reportagem que o presidente eleito, quando discursou para a plateia na Paulista, se referia à área sob guarda das Forças Armadas que por vários momentos se cruzou com a história do Brasil.
Naquela base militar de acesso restrito a civis, outrora importante entreposto do tráfico negreiro, presidentes passaram feriados, de Lula a Michel Temer.
“Dizem que meu pai foi enterrado lá”, diz o escritor Marcelo Rubens Paiva, filho do deputado Rubens Paiva, morto pelos militares em 1971, aos 41 anos.
Marcelo sugere: “Dá uma busca sobre coronel Paulo Malhães + Rubens Paiva”.
Resultado: o coronel Malhães depôs à fluminense Comissão Estadual da Verdade em 2014 e lá disse: “O Rubens Paiva, eu calculo, ninguém me disse, morreu por um erro. Não era para ele morrer. Então, esse alguém tinha que arranjar um jeito de dar sumiço no corpo. Contar este negócio de sequestro, não sei o quê, inventar uma história. Então, aí tiraram ele [do Recreio dos Bandeirantes, zona de restingas] e deram um destino certo para ele. Ninguém nunca mais acha.”
Um dos responsáveis pelo sequestro de um embaixador alemão nos anos 1970, Alex Polari de Alverga cita a região no poema “Cemitério dos Desaparecidos”.
Nele fala que a “Vanguarda Popular Celestial (como eles denominam o loca que os guerrilheiros vão depois de mortos) está sediada em algum ponto da Restinga da Marambaia”.
“É lá que os corpos dos militantes presos são jogados à noite de helicóptero: descrevem uma parábola no ar abrem uma fenda branca na espuma se aprofundam e adormecem sem vingança possível”, escreveu o ex-guerrilheiro da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), na qual também militaram Carlos Lamarca e Dilma Rousseff.
Polari, que seria torturado e anos depois viraria adepto do Santa Daime, narrou em carta à estilista Zuzu Angel como seu filho Stuart morreu nas mãos de agentes da ditadura, também em 1971.
“Em um momento retiraram o capuz e pude vê-lo sendo espancado depois de descido do pau de arara”, disse.
No livro “Desaparecidos Políticos” (1979), Reinaldo Cabral e Ronaldo Lapa relatam duas versões para o desaparecimento do corpo de Stuart.
“A primeira é de que teria sido transportado por um helicóptero da Marinha para uma área militar localizada na Restinga de Marambaia, na Barra de Guaratiba, próximo à zona rural do Rio, e jogado em alto-mar pelo mesmo helicóptero.”
A outra sustenta que o filho de Zuzu foi enterrado como indigente, com nome trocado, num cemitério carioca. A verdade nunca veio à tona.
Bolsonaro é fã do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, primeiro militar condenado pela Justiça brasileira por torturas perpetradas na ditadura, e, numa entrevista à TV Band em 1999, declarou: “Pau de arara funciona. Sou favorável à tortura, tu sabe disso. E o povo é favorável também”.