Em busca de uma sociedade cada vez mais inclusiva

Melissa Cachoni Rodrigues*

 

As mudanças atravessam a sociedade brasileira a todo instante, e, como consequência, os olhares da população devem estar atentos aos novos cenários. Exemplo dessas alterações é o significativo aumento populacional das pessoas com deficiência, ocorrido nos últimos anos. Em números, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que 24% dos brasileiros declaram ter alguma deficiência, o que equivale a aproximadamente 45,6 milhões de pessoas – índice 10% maior do que o apurado no Censo anterior.

As alterações constantes atingem também a questão terminológica. O termo “deficientes” deriva do Ano Internacional e da Década das Pessoas Deficientes, estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1981. Assim, nos anos 1980 entraram em uso as expressões “pessoa portadora de deficiência” e “portadores de deficiência”. Entretanto, estes termos fazem referência a algo que se “porta”, como algo temporário, sendo que, em sentido diametralmente oposto, a deficiência em grande parte das ocasiões é permanente. Além disso, a expressão “portador de deficiência” ou “portador de necessidades especiais” coloca a deficiência como “a marca” principal da pessoa, em detrimento de sua condição humana. Em momento posterior, tratou-se do tema sob a terminologia “necessidades especiais”, a qual calha com as necessidades educacionais das crianças com deficiência, mas estas podem ou não decorrer de deficiências.

Atualmente, tem-se como mais adequado e atual a designação “pessoas com deficiência”. Nesta expressão, ressalta-se a pessoa sobre sua deficiência, valorizando-se o ser humano independentemente de suas condições físicas, sensoriais ou intelectuais. A mudança conceitual da deficiência representa grandes avanços em relação à dignidade de tais pessoas, e está registrada na Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, proclamada pela ONU em 2006, internalizada no Brasil a partir de ratificação por meio do Decreto Legislativo 186/2008 (com status de emenda constitucional) e da promulgação pelo Decreto 6.949/2009. A este contexto, soma-se a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015), que trouxe uma série de relevantes conquistas.

Feitas tais considerações sobre a questão terminológica, é importante termos em mente a gama de sujeitos que esta abarca. Muito embora, à primeira vista, possa parecer tratar-se de um grupo homogêneo, em uma observação mais detalhada, nota-se que a diversidade figura como um de seus principais elementos. Legalmente, o conceito de pessoa com deficiência diz respeito àquela com impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, somado a uma ou mais barreiras existentes no meio, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Pode-se citar como tipos de deficiência a física, auditiva, visual, intelectual, o transtorno global do desenvolvimento e as síndromes e malformações congênitas.

Deste modo, destaca-se que as deficiências são constatadas a partir da existência de barreiras no ambiente em que o sujeito está inserido, as quais podem ser de ordem urbanística, arquitetônica, nos transportes, nas comunicações e nas informações, atitudinais e tecnológicas.

A busca pelo desenho universal e pela adaptação razoável são caminhos para diminuição destas barreiras e efetiva promoção da acessibilidade. Desenho universal significa a concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados, na maior medida possível, por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou projeto específico às pessoas com deficiência. A adaptação razoável, por sua vez, o conjunto de modificações necessárias e adequadas às pessoas com deficiência, sem que acarretem ônus desproporcional ou indevido aos que a devem promovê-la.

O dever de promoção destes direitos é do Poder Público, na execução de obras e na prestação de serviços públicos, inclusive de fiscalização, conforme a legislação e normas técnicas vigentes para garantia da acessibilidade, e também dos particulares nos espaços privados de uso coletivo, como nos shoppings, prédios e condomínios.

Por fim, importante lembrar que a Lei Brasileira de Inclusão elencou diversos dispositivos voltados à proibição de discriminação em razão da deficiência, esta qualificada como qualquer forma de distinção, restrição, exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.

Assim, neste Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, deve-se reconhecer que ainda há muito que se caminhar para plena garantia dos direitos das pessoas com deficiência, mas o trajeto já percorrido nos demonstra que os avanços são possíveis e impactam diretamente na qualidade de vida não só destas pessoas, mas da sociedade como um todo.

 (*Promotora de Justiça do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos do Idoso e da Pessoa com Deficiência do MPPR. Coordenadora da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais (CNPG). Professora. Mestre em Direito Negocial).

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