Passados 40 anos da grande enchente de 1983 e os detalhes do “extraordinário” evento climático que vivemos
As regiões Centro-Sul e Sul do Paraná, bem como do Planalto Norte de Santa Catarina, já no ano de 1982 vinham sendo atingidas por fortes precipitações pluviométricas, efeitos do El Niño que atingiu o Sul do Brasil.
E no mês de julho de 1983, com a precipitação na extensão da bacia hidrográfica do Iguaçu, a partir da nascente em Curitiba, ultrapassando os mais de 800 milímetros, o nível do Rio Iguaçu, em nossas cidades chegou aos 10 metros e 42 centímetros, com as águas invadindo as cidades irmãs, com mais intensidade em União da Vitória, que teve mais de 60% do seu quadro urbano atingido, deixando milhares de desabrigados.
É preciso lembrar que já no ano de 1982 a região passou por um período de muita chuva, inclusive com duas enchentes que não chagaram a 6,5 metros, mas com alguns deslizamentos. Um deles atingindo com consequências a Via Reolon e a estrada que dá acesso a Porto Vitória, sendo necessárias ações do Departamento de Estradas de Rodagem.
Segundo a publicação “Conhecendo e Convivendo com as Enchentes”, produzida por Dago Alfredo Alfredo Woehl, enchentes de grandes proporções aconteceram em 1891 (9,20), 1905 (9,03), 1911 (8,39), 1957 (7,28), 1971 (6,89), 1982 (6,45) e 1983 (10,42).
Ocorreram outras enchentes, com o nível do Iguaçu transbordando, mas nunca uma com as proporções ‘dantescas’ como a de 1983, lembrando que um ano antes (1982) o nível do rio já tinha atingido 6,45 (seis metros e quarenta e cinco centímetros).
A grande enchente de 1983, que vivi intensamente, tiveram lances extraordinários de solidariedade praticamente do Brasil inteiro e até do exterior.
Sufoco, correria, ações das autoridades municipais, com os prefeitos Alcides Fernandes Luiz (União da Vitória) e Alexandre Passos Puzyna (Porto União), comovidos com o drama de centenas e centenas de desabrigados, tomando todas as providências de urgência para atender os atingidos.
Valiosa a presença do 5º Batalhão de Engenharia de Combate, que ficou isolado, mas abriu o acesso para o centro da cidade em área da então RFFSA, hoje ocupada pela Avenida dos Ferroviários.
Os dois prefeitos que tinham tomado posse no início daquele ano (foram eleitos em 1982), mesma situação dos governadores Esperidião Amin (SC) e José Richa (PR). Mas com uma brutal diferença entre os dois estados. José Richa só tinha o Centro-Sul e o Sul com os problemas causados pela enchente, enquanto Esperidião Amin estava com as regiões Sul, Vale do Itajaí, Vale do Rio do Peixe, Norte, Planalto Norte e Centro-Oeste quase que totalmente inundados.
Sem energia elétrica, sem água da Sanepar, com nossos quartéis das Polícias Militares (PR/SC) inundados, sem comunicação de rádio (emissoras de rádio saíram do ar) e os municípios da região isolados, não foi nada fácil. O único serviço que estava em funcionamento foi o telefônico, porque a Telepar contava com sistema próprio de produção de energia, através de motores movidos a óleo diesel.
E os municípios da região, principalmente General Carneiro, Bituruna, Porto Vitória e Cruz Machado ainda não contavam com uma infraestutura adequada de comunicação da Telepar. General Carneiro, Bituruna e Cruz Machado tiveram grandes prejuízos, porque as duas cidades tem praticamente no seus centros rios, que transbordaram, além dos problemas do interior, com a destruição de dezenas de pontes.
Isolados pela BR-280 (SC) e BR-476 (PR), esquemas especiais, com a participação de voluntários, foram organizados para que as doações e alimentos de todo o Brasil chegassem até nós. E todas as doações chegavam até a região do Rio Paciência, na BR-476, que estava em uma grande extensão inundada. Em balsas os produtos das doações eram trasladados para veículos e transportados para as cidades irmãs.
O Governo do Paraná praticamente se instalou em União da Vitória, com o governador José Richa determinando que viessem nos auxiliar vários membros de sua equipe, além de equipes especiais dos setores de Segurança Publica, principalmente equipes especiais do Corpo de Bombeiros. E isso, realmente aconteceu.
O governador José Richa enviou União da Vitória, comandadas os secretários Antenor Bonfim (Ação Social) e Deni Schwartz (Transportes). Das equipes faziam parte pelotão especial do Corpo de Bombeiros, da Defesa Civil do Estado, com barcos adequados, que se aliaram com ao Corpo de Bombeiros de Porto União e equipes do 5º Batalhão de Engenharia de Combate.
Do lado catarinense, apesar do problema ser bem mais grave (bairro Santa Rosa e interior), o governador Amin escalou o secretário Raimundo Colombo, que tomou uma série de providências, inclusive a construção emergencialmente de várias unidades para desabrigados no posteriormente denominado Bairro São Bernardo.
Soldados e oficiais do Exército, Corpo de Bombeiros agiam com intensidade no socorro às vítimas, inclusive em União da Vitória, que não contava com uma unidade local do Corpo de Bombeiros.
Empresas disponibilizaram veículos. Casas paroquias, ginásios de esportes e escolas e outros locais serviram como abrigo de centenas e centenas de famílias. Amigos e parentes abrigaram grande número de vítimas.
Duas cidades do estado de São Paulo adotaram nossas cidades. Limeira: União da Vitória; e São Bernardo, Porto União. E dessas cidades paulistas vieram toneladas de doações, como alimentos, roupas e até remédios.
Casas foram doadas pela Copel e Eletrosul, que ainda estavam na Usina de Foz do Areia, que já tinha sido inaugurada. Essas casas foram instaladas em União da Vitória e em Porto União.
Participação no atendimento às vítimas pelo Diocese de União da Vitória, através do saudoso bispo Dom Walter Ebejer. Da Cruz Vermelha do Paraná, presidida pelo médico Lauro Grein (saudosa memória), veio valiosa ajuda financeira. O antigo salão paroquial da Catedral Sagrado Coração de Jesus foi transformado em centro para distribuição de alimentos.
Dedicação também das mais variadas instituições: Rotary Club, Lions Clube, Associações Comerciais e Industriais, CDL, Maçonaria, igreja evangélicas, centros espíritas, além de centenas de voluntários.
Porque os acessos à cidade estavam bloqueados, foi preciso, por decisão dos dois prefeitos, de entregar para controle do Exército, do combustível existente nos postos, que não eram tantos como agora.
Como não havia como separar o problema que afetava tanto o lado catarinense como o paranaense (com mais intensidade União da Vitória), foi criada a Comissão Intermunicipal de Defesa Civil, presidida pelo coronel comandante do 5º Batalhão de Engenharia de Combate.
Mas como todos os municípios da região viviam o mesmo drama da enchente, sem comunicação, providências especiais foram tomadas para que a única emissora de rádio, que tinha condições de ser utilizada, fosse ativada.
A maioria das grandes indústrias de União da Vitória e de Porto União foram invadidas pela enchente, com o Governo Federal determinando a liberação do FGTS dos trabalhadores, através do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário… Recursos extraordinários foram liberados para as empresas industriais e comerciais afetadas pelo fenômeno climático pelo Banco do Brasil.
Foi a Rádio Colmeia, que passou a ser o instrumento de informação e contato com a população dos municípios de General Carneiro, Porto Vitória, Cruz Machado, Bituruna, Paula Freitas, Irineópolis e o interior de Porto União, principalmente a região do distrito de Santa Cruz do Timbó.
É que as duas outras emissoras – União e Educadora – ficaram totalmente inviabilizadas, porque seus transmissores e antenas estavam localizados no bairro Navegantes, totalmente tomados pelas águas, enquanto que a Colmeia tinha sua torre e transmissor no morro da Cruz. Aí ficou fácil, porque para funcionar bastavam alguns geradores, que foram providenciados pela Defesa Civil.
A Colmeia passou, inclusive, a ser o instrumento das mensagens das autoridades estaduais, principalmente dos governadores Richa (PR) e Amin (SC).
Um detalhes que não deve ser esquecido: a parte central do bairro São Cristóvão ficou alagada e todos os acessos estavam inundados. Para acesso, a Rede Ferroviária Federal (RFFSA), sobre os trilhos, que atualmente servem como ciclovia, foram colocados vagões sem cobertura para passagem das pessoas.
Passados 40 anos desde 1983, apesar de que já em 1992, outra grande enchente nos atingiu, com menos intensidade, mas as Defesas Civis e a própria população, com o cruel aprendizado da anterior, agiu com mais rapidez e as consequências foram menores.
Normalizada a situação, o Governo do Estado, sob à supervisão do secretário Deni Schwartz, iniciou a construção de uma nova ponte, com as obras sendo executadas celeremente, porque, curiosamente, porque a mãe-natureza é imprevisível, veio um longo período de estiagem, com a nível, baixando para bem menos dois seus normais dois metros de meio, facilitando a construção da nova ponte.
40 anos, são quatro décadas, com uma reação da ‘mãe-natureza’, com consequências dramáticas, que não consigo lembrar com exatidão de tudo, mas sei que fiquei três dias sem dormir, mas tranquilo porque minha família estava segura, mas vi heróis, heroínas (de uma delas não posso esquecer, dona Zila Fernandes, primeira-dama de União da Vitória), mas também vi aberrações e até aproveitadores de uma situação terrível.
Mas, no final, a solidariedade e o amor ao próximo prevaleceu.