200 anos da Independência do Brasil
(…….Texto do Cardeal Orani João Tempesta, Arcebispo do Rio de Janeiro……)
No dia 7 de setembro, recordaremos a Independência do Brasil, mesmo sabendo na Bahia e no Pará as datas são diferentes. O Grito do Ipiranga desencadeou um processo longo. Neste ano de 2022, chegamos a um marco importante: celebraremos o Bicentenário da declaração da Independência às margens do Ipiranga em São Paulo, ou seja, duzentos anos. Depois, aqui no Rio de Janeiro, na Capela imperial haverá a coroação do primeiro imperador do Brasil. Além de comemorarmos a Independência, este é um dia para rezar pela nossa pátria.
Há cem anos o Cardeal Leme convocou para setembro de 1922 o Congresso Eucarístico (primeiro realizado no Brasil) e por ser na capital federal de então, tornou-se um marco e foi chamado pelo Papa em sua mensagem de Congresso Eucarístico Nacional. Ainda não tinha começado a série dos Congressos Eucarísticos em nossa nação. Neste ano, 100 anos depois fazemos memória desse evento de 3 a 7 de setembro buscando viver a Eucaristia presencial em nossas paróquias e rezando pelo Brasil no bicentenário da sua independência. A celebração do centenário desse Congresso Eucarístico nos prepara também para o Congresso Eucarístico Nacional em Recife no mês de novembro deste ano.
Estamos também perto de um período importante para o futuro de nossa nação. Daqui há um mês, escolheremos um novo Presidente da República, o Governador do Estado, um Senador, um Deputado Federal, um Deputado Estadual e um Distrital (para quem vota no Distrito Federal). Que possamos usar desse meio democrático para escolher com consciência nosso próximo governante. Há uma polarização acentuada que já vinha ocorrendo há décadas e que agora está muito mais feroz.
Que o dia 7 de setembro, possamos comemorar a data cívica com consciência e cobrar, para a nossa sociedade, os direitos fundamentais. Dentre esses direitos estão: trabalho, saúde, educação e saneamento básico. Que todos os brasileiros tenham o que pôr na mesa e que tenham um lugar digno para morar. Nesse dia 7 de setembro, não peçamos nada que fira a nossa democracia, para não corrermos o risco de sofrer o que passamos em outras épocas da história. O grito dos excluídos sempre foi um momento de participação dos cristãos nesse dia. Temos sede de tempos novos, prosperidade e de paz.
Que possamos refletir sobre este nosso momento. Ao lembramos do bicentenário da Independência, que também possamos pensar se o Brasil avançou ou retrocedeu nesses duzentos anos. Tivemos muitos avanços, mas alguns retrocessos. A abolição da escravatura aconteceu anos após a independência do Brasil, mas o número de racismo tem aumentado muito ultimamente. As mulheres conseguiram mais direitos, como por exemplo: direito ao voto, ao trabalho e cargos públicos. Mas, por outro lado, aumentou o feminicídio, ou seja, a violência contra a mulher. Por isso, nesse dia do bicentenário da Independência do Brasil, peçamos que essas situações mudem e a nossa pátria seja um local bom de se viver. Temos muitas controvérsias e interpretações históricas de tudo isso. A propaganda pela imprensa sempre direciona as reflexões. Cabe a nós refletirmos sobre os passos dados e as nossas responsabilidades.
Na Mensagem ao Povo Brasileiro, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), durante a fase presencial de sua 59ª Assembleia Geral, mostra uma Igreja preocupada com os nossos desafios atuais. “A fome, para os bispos do Brasil, é certamente o mais cruel e criminoso deles, ‘pois a alimentação é um direito inalienável’ (cf. Papa Francisco, Fratelli Tutti, 189). A mensagem reforça os dados do relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, 2022), que aponta que a quantidade de brasileiras e brasileiros que enfrentam algum tipo de insegurança alimentar ultrapassou a marca de 60 milhões.” Sem dúvida, que isso nos impele ainda mais aos nossos trabalhos sociais, em especial na assistência a quem passa por essa necessidade. Eu recordei aos diocesanos a tradição de nossa arquidiocese que sempre a Eucaristia está ligada a partilha do pão de cada dia para nossos irmãos e irmãs.
Os bispos do Brasil em sua mensagem também alertaram que “nosso País está envolto numa complexa e sistêmica crise, que escancara a desigualdade estrutural, historicamente enraizada na sociedade brasileira. Constatamos os alarmantes descuidos com a Terra, a violência latente, explícita e crescente, potencializada pela flexibilização da posse e porte de armas que ameaçam o convívio humano harmonioso e pacífico na sociedade. Entre outros aspectos destes tempos estão o desemprego e a falta de acesso à educação de qualidade para todos”. Ao recordar a violência irmano-nos a tantos irmãos e irmãos que passam por essa realidade em nossa região metropolitana e que tantas preocupações permanecem em nossos corações. Nossos sacerdotes em todas as comunidades convivem com tudo isso e apoiam o povo em suas dificuldades e lutas de cada dia.
Nós aqui no Brasil, temos um patrimônio que tem que ser preservado, mas que ao longo dos anos, vem sofrendo com queimadas e desmatamentos. Estou falando da Amazônia, que é um bem do Brasil mas que nos responsabiliza para cuidar com responsabilidade. Que nesses duzentos anos da Independência, peçamos às autoridades que se olhe com carinho para esse patrimônio nacional.
Do lado da religião, sobretudo, tivemos muitos avanços, mas a Igreja sofreu muito em várias épocas da história, em que não se podia expressar suas convicções e era perseguida. No tempo atual, a situação melhorou, mas ainda há lugares em que a Igreja é impedida de entrar e de se pronunciar. Que a Palavra de Deus seja difundida em todo o Brasil e que essa terra conhecida como Terra de Santas Cruz, desde a sua fundação, seja sempre abençoada por Deus.
Convido a quem puder, que participe da missa neste dia. Mesmo não sendo um feriado religioso ou de preceito, as paróquias celebrarão as missas nesse dia e rezarão por nossa pátria. Que nessa missa, peçamos por mais saúde, emprego, saneamento básico, proteção às nossas riquezas naturais e pela paz em nossa terra. Peçamos pelo fim da pandemia da Covid-19 e de tantas outras doenças que assolam o nosso país. Estaremos nesse dia encerrando as comemorações do centenário do Congresso Eucarístico do Rio de Janeiro convocado e presidido pelo nosso antecessor o Cardeal Leme com uma missa no Corcovado.
O 7 de setembro não encerrou o processo de Independência do Brasil. Esse processo seguiu-se com uma guerra de independência e, nos meses seguintes, houve acontecimentos importantes, como a aclamação de Dom Pedro como imperador do Brasil, em 12 de outubro, e sua coroação que aconteceu no dia 1º de dezembro. Aqui se diz “guerra da independência”, porque, ao contrário do que muitos pensam, o processo de independência do Brasil não foi pacífico, mas Dom Pedro I teve que enfrentar muitas situações bélicas.
Na Mensagem ao Povo Brasileiro, a CNBB mostra a preocupação com a manipulação religiosa e a disseminação de fake news, que causa desarmonia entre as pessoas e são capazes de desestruturar nossas famílias. Lembram os bispos que “a manipulação religiosa, protagonizada por políticos e religiosos, desvirtua os valores do Evangelho e tira o foco dos reais problemas que necessitam ser debatidos e enfrentados em nosso Brasil. É fundamental um compromisso autêntico com o Evangelho e com a verdade”. São muitas notícias contraditórias e muitas mensagens querendo dominar nossos raciocínios. Saibamos discernir bem os caminhos.
Rezemos por nossa pátria pois somos chamados a amar o lugar que vivemos, fazendo desse lugar, um local agradável de se viver e em paz. Não podemos morar aqui no Brasil e ter desejo de ir morar em outro país. Esse é o local que nascemos, então façamos desse local uma moradia agradável. Rezemos pelo fim da violência e que essa terra amada, terra de Santa Cruz, seja um lugar bom para todos.
Que Deus abençoe o nosso Brasil e que possamos, a cada ano, celebrar com alegria a Independência deste país. Viva a Independência, viva o Brasil.