A quem interessa desmoralizar a imprensa

Em maio o mundo celebra a liberdade de imprensa internacional da imprensa. Pelo vigésimo ano, a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) divulgou seu ranking anual de Liberdade de Expressão, onde o Brasil se encontra na posição 110, de um total de 180 países, no status vermelho, que é traduzido como local difícil para o exercício da profissão. No topo do ranking mundial da liberdade de imprensa, três países escandinavos: Noruega, Dinamarca e Suécia.

Não é por coincidência que esses países igualmente novamente ocupam excelentes posições no índice de percepção de corrupção. Em comum, a estabilidade democrática e econômica, a boa governança, menores desigualdades, bons índices educacionais, políticas públicas efetivamente implementadas.

No Brasil, nos últimos três anos e quatro meses temos assistido permanente processo de demonização da mídia, à exceção dos veículos bajuladores. O objetivo é nítido, de desmoralizar e desacreditar a imprensa, bloqueando as vias que permitem o fluxo de informações, que constroem diariamente a cidadania. Cidadãos desinformados são massa de manobra muito mais fácil, conforme têm apontado cientistas políticos.

O relatório da RSF assinala, de maneira enfática e incisiva que “o presidente insulta regulamente os jornalistas e a imprensa. Ele mobiliza exércitos de apoiadores nas redes sociais, como parte de uma estratégia afinada de ataques coordenados que visam desacreditar a imprensa, rotulada como inimiga do Estado.” Mas vale destacar, que o principal adversário na disputa, segundo as pesquisas, fala de forma entusiasmada em regulação da mídia sem dar muitas explicações, o que também pode caminhar por um viés autoritário.

Os professores de Harvard Ziblatt e Levitsky, em Como as Democracias Morrem, na página 33, de forma extremamente didática, apontam os quatro principais indicadores do comportamento autoritário: 1) rejeição das regras democráticas do jogo (ou compromisso débil com elas). São exemplos citados por eles tentar minar a legitimidade das eleições, golpes militares (lembremo-nos da recente alusão à hipótese inconstitucional de apuração eleitoral paralela pelas Forças Armadas), fechamento do STF, TSE, etc;

2) negação da legitimidade dos oponentes políticos: descritos como subversivo ou ameaça à segurança à nacional. Alguma lembrança?

3) tolerância ou encorajamento à violência: o símbolo do presidente reproduz uma arma de fogo, o armamentismo é seu mantra e espalha seu lema de que as pessoas armadas jamais serão escravizadas. Mas não esclarece que especialistas em segurança pública recomendam o oposto – o desarmamento;

4) propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia: há não muito tempo, usou a vetusta Lei de Segurança Nacional para perseguir quem o criticasse, mas se um aliado prega pela volta da ditadura, caso do deputado Daniel Silveira, embala convenientemente como exercício de liberdade de expressão e concede indulto, afrontando o STF.

Ao citar o crescimento do discurso contra a imprensa no mundo, o relatório da RSF, dando vida ao item “4”, citou especificamente o Brasil: “Cada vez mais visíveis e virulentos, os ataques públicos enfraquecem a profissão e incentivam ações legais abusivas, campanhas de difamação e intimidação, especialmente contra mulheres, e assédio online a jornalistas críticos.”

Temos acesso às entranhas pútridas do poder graças ao trabalho diuturno da imprensa. É graças a ela que nossa democracia respira, ainda que por aparelhos. É graças a ela que temos acesso à informação e podemos formar nossa convicção acerca dos fatos. Ela nos permitiu sabermos dos números da pandemia, mesmo diante do apagão de dados do governo federal, porque um consórcio de veículos se formou.

Orçamento secreto, rachadinhas, mensalão, os atos de tortura cometidos durante a ditadura, os desmandos das milícias, as proezas do crime organizado, a criatividade do golpismo cibernético, as fraudes contra o consumidor, as violações diversas ao meio ambiente, as explorações de pessoas ainda escravizadas, os desmandos de políticos e do poder em geral, mesmo que tudo isto seja duro, doa a quem doer, temos o direito de saber e conseguimos ter acesso a tudo isto porque existe liberdade de imprensa.

Não podemos permitir que essa liberdade seja desrespeitada. Cercear a liberdade de imprensa equivale a amordaçar o povo, pois quem governa tem o dever permanente de prestar contas sem se cansar de fazê-lo. Queremos transparência, queremos a luz do sol, sempre o melhor desinfetante. Viva a imprensa livre! (Fonte: Congresso em Foco).

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