Casos de ‘flurona’, como ficou conhecida a coinfecção de Covid-19 e influenza, já foram registrados em algumas partes do país. Os diagnósticos surgem em um momento em que o Brasil enfrenta uma forte onda de quadros gripais severos que já lotam hospitais em algumas cidades.
A reportagem conversou com alguns especialistas para entender se existe alguma peculiaridade em casos de uma pessoa que é infectada por dois vírus e quais os efeitos que a dupla infecção por Covid-19 e influenza pode ter em um paciente.
O primeiro ponto é que uma dupla infecção causada por vírus é comum, explica Fernando Spilki, virologista e coordenador da Rede Corona-ômica BR-MCTI, um projeto de laboratórios que sequencia os genomas de amostras do Sars-Cov-2 no Brasil.
“Quando você vai estudar fora de um período de pandemia […], você encontra um percentual muito alto de coinfecção [entre diferentes vírus]”, afirma.
Spilki detalha que, em 2020, primeiro ano da pandemia, já tinham sido detectados casos de coinfecção entre Sars-CoV-2 e H1N1. Esses diagnósticos eram mais raros porque havia pouca circulação de influenza no Brasil. No entanto, o cenário mudou.
“Agora, a tempestade perfeita está formada: você tem muitas infecções por H3N2, especialmente por essa cepa Darwin que é responsável por esse surto atual no Brasil, e por outro lado você tem […] uma onda se formando com ômicron. Então vai dar muita chance para que as pessoas se coinfectem com esses dois [patógenos]”, diz.
Mesmo com esse cenário, Spilki afirma que não existem indicações que um diagnóstico positivo de gripe e Covid possa acarretar situações mais graves nos pacientes. “A gente inclusive vê casos de coinfecção em pessoas com doença leve, então não é o fato de ter a coinfecção [que necessariamente indica a severidade da doença]”, afirma.
É a mesma visão de Cristina Bonorino, imunologista e professora da UFCSPA (Universidade Federal de Ciência da Saúde de Porto Alegre).
“Parece ser uma coisa intuitiva dizer que, se tem mais de um vírus ao mesmo tempo, vai ficar pior, mas na verdade não é isso que acontece, depende muito da pessoa, da idade, das comorbidades”, afirma.
Para o caso de coinfecções com Sars-CoV-2, Bonorino explica que “nenhum [estudo] mostra um risco aumentado”, mas ela também ressalta a necessidade de continuar monitorando a situação, já que o coronavírus ainda é muito novo.
Ela também diz que os casos de coinfecção agora estão sendo mais relatados porque as medidas sanitárias estão sendo relaxadas, o que não tinha acontecido em larga escala anteriormente.
“A gente teve uma queda nos casos de influenza no ano passado por causa do distanciamento e por causa das máscaras, que inibem a circulação de todos os vírus. No que as restrições começaram a afrouxar, começaram os pequenos surtos de outros vírus e agora está tendo de gripe”, afirma.
Aspecto parecido é apontado por Maurício Nogueira, professor da faculdade de medicina de São José do Rio Preto. Ele diz que a maior circulação de diversos vírus pelo país é “reflexo da total liberalização que a gente fez depois de dois anos parados”.
O panorama crítico já é sentido em diferentes regiões. Hospitais, por exemplo, já precisam lidar com o aumento de pacientes com Srag (Síndrome Respiratória Aguda Grave). Gerson Salvador, médico do hospital universitário da USP (Universidade de São Paulo), já observou o aumento de casos críticos no atendimento a pacientes.
Ele relata que, em meados de novembro, já era visível o aumento do número de pacientes com Srag e que a maioria era de casos positivos de influenza. Salvador relaciona isso com a epidemia de gripe no Rio de Janeiro.
Em dezembro, no entanto, os números de casos a Covid-19 também subiram. “A gente viu aumentar muito rápido os casos de Covid-19. Nesse momento, a gente tem que lidar com pacientes com influenza e Covid grave”, relata Salvador.
O médico, entretanto, reitera que essa situação não se relaciona necessariamente à coinfecção em si de coronavírus e influenza, mas sim à alta taxa de disseminação dos dois vírus pelo Brasil, que podem resultar em complicações respiratórias mesmo em infecções de somente um dos patógenos.
“Estar infectado com dois vírus ao mesmo tempo não quer dizer que vai ter quadro de maior gravidade. [Isso] não é uma outra doença”, afirma. Nogueira também defende que a coinfecção entre vírus não deve ser o ponto central de preocupação, por ser “um fenômeno relativamente comum”.
“Nós temos que nos preocupar com a Covid, com as formas de transmissão e com a vacinação”, diz. Os diagnósticos de Sars-CoV-2 voltaram a subir de forma vertiginosa diante da variante ômicron, que tem uma alta taxa de transmissibilidade.
Um levantamento feito com mais de 2.400 amostras de testes RT-PCR especiais identificou uma prevalência média de 92% da nova variante nos positivados a Covid-19 no Brasil.
Dados preliminares também já indicam que o esquema vacinal de duas doses ou dose única tem redução significativa de anticorpos neutralizantes contra a ômicron. Mesmo assim, os imunizantes ainda são de extrema importância para evitar casos graves da doença, como hospitalizações e mortes.
Para Nogueira, inclusive, a transmissão exacerbada da ômicron e a vacinação defeituosa de crianças são os grandes problemas sanitários brasileiros que precisam ser enfrentados. “A ômicron, a alta taxa de transmissão e o atraso para vacinar criança: esses são problemas que a gente tem que discutir”, conclui. (FOLHAPRESS).