Projeto da Universidade de São Paulo (USP) usa WatsApp contra discurso antivacina

Tem cara de corrente de WhatsApp –e é para funcionar assim mesmo. A mensagem chega cheia de emojis, traz um título provocativo e apresenta um arquivo de áudio. “Será que as vacinas da covid-19 irão alterar nosso DNA?”, diz a chamada de uma delas. “Será que as vacinas causam autismo?”, pergunta outra.

O disparo de 2 áudios por semana foi a maneira que a iniciativa União Pró-Vacina encontrou para responder às fake news antivacinação disseminadas principalmente por meio do aplicativo de mensagens instantâneas. O projeto, criado pelo polo de Ribeirão Preto do IEA/USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo), já congrega outras 8 entidades e soma esforços de professores, pesquisadores, funcionários e alunos universitários.

De acordo com o estudante de farmácia Wasim Syed, um dos participantes da iniciativa, a opção pelos áudios de WhatsApp foi a tática encontrada para “furar a bolha acadêmica, romper a bolha dos que já sabem da importância da vacinação”. “Queremos chegar até aqueles que têm dúvidas”, comenta ele.

Conforme conta o analista de comunicação João Rafael, assistente de coordenação do IEA/USP, os áudios são pensados com o objetivo de combater e desmistificar os conteúdos falsos recebidos –e que são devidamente analisados e monitorados pelo projeto.

“Procuramos selecionar aqueles que mais viralizaram e criamos respostas verdadeiras, porém com uma linguagem mais acessível, evitando jargões e procurando trazer exemplos e comparações”, explica.

QUE DA VACINAÇÃO

A União Pró-Vacina foi criada em outubro de 2019. Os fundadores estavam preocupados com a queda gradual, ano a ano, da cobertura vacinal no Brasil. Na mesma época, a Sociedade Brasileira de Imunizações divulgou uma pesquisa indicando que 67% dos brasileiros acreditavam em pelo menos uma informação falsa a respeito do funcionamento ou da eficácia das vacinas.

O projeto passou a atuar em duas frentes. De um lado a produção de conteúdo sobre o tema para disseminação em plataformas digitais; de outro, o monitoramento de discursos que divulgam conteúdo antivacina. Quando veio a pandemia, contudo, a prioridade se tornou rebater teorias da conspiração atreladas ao desenvolvimento do imunizante anticovid-19.

E então os integrantes do projeto perceberam que não iriam conseguir responder à altura se ficassem publicando informação científica de modo tradicional. E que não bastaria estar presente nas redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram. Era preciso conquistar o WhatsApp.

“A maioria das fake news circula em grupos de WhatsApp”, comenta Syed. “Sabemos que a influência é grande no Brasil, a ponto de alterar a opinião pública e influenciar como as pessoas respondem à pandemia”.

“Como nada viraliza tanto quanto um áudio de WhatsApp, decidimos analisar a estrutura do discurso e produzir conteúdo no mesmo formato. Tudo para conseguirmos persuadir pessoas com informação correta, e não com discurso conspiracionista”, completa o estudante. “Estamos tentando usar a mesma arma do inimigo, mas com muita responsabilidade”.

RESPONSABILIDADE SOCIAL

Para o biofísico Antonio da Costa Filho, professor da USP de Ribeirão Preto e coordenador do polo ribeirão-pretense do IEA, “o WhatsApp é o caminho” porque a ferramenta se tornou o mais popular meio de comunicação do Brasil atual.

“Esse tipo de projeto envolve várias áreas do conhecimento e implica oferecer um serviço de informação comprometido em um momento delicado de negacionismo científico, de contestação de evidências, cloroquinas da vida e um comportamento que não condiz com aquilo que seria necessário para combater uma pandemia de forma eficiente”, afirma.

Vice-coordenadora do polo do IEA e diretora do centro colaborador brasileiro da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, a professora Carla Arena Ventura avalia que o estado pandêmico torna urgente a “implementação de meios assertivos e claros de disseminação de informações baseadas em evidências científicas”.

Ela ressalta que, diante do fato de que “dependemos da vacinação para garantir a proteção coletiva da população brasileira contra a covid-19”, a ideia de usar mensagens de áudio para propagar informações verdadeiras demonstra a “responsabilidade social” da universidade.

O PODER DAS FAKE NEWS

Na análise das fake news propagadas, os integrantes da iniciativa não só aprendem o estilo que pode funcionar para fisgar o público como se debruçam sobre o fato de que as inverdades parecem ter muito mais apelo.

“Mentiras, fofocas e rumores se disseminam muito mais rapidamente, porque a informação correta muitas vezes é o que as pessoas não querem ouvir”, acredita Syed. “Fake news é aquilo que as pessoas querem ouvir, querem acreditar. Servem de muleta para as pessoas se apoiarem”.

O analista Rafael pontua também que as artimanhas das fake news incluem apelo às emoções, sensacionalismo e, não raras vezes, ataques e insinuações enganosas. “Esses elementos causam reações extremas nos usuários da rede, gerando mais interações e, consequentemente, melhor desempenho perante os algoritmos das plataformas digitais”, argumenta. (DEUTSCHE WELLE).

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