Insetos podem ser o alimento do futuro também dos humanos
O planeta tem 7 bilhões de pessoas e, segundo estimativa da ONU, nos próximos 30 anos, em 2050, será atingida a marca de 10 bilhões de seres humanos.
O grande desafio atual e, também, do futuro é fornecer alimentos de qualidade para todos, sem causar um grande impacto ao meio ambiente. Um possível caminho para afastar a fome e enriquecer a dieta é a antropoentofagia, ou seja, o consumo de insetos.
Apesar de parecer repugnante para alguns, essa hábito não é algo tão raro e nem tão distante da realidade em muitos países. Segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), cerca de 2 bilhões de pessoas têm essas pequenas criaturas como um item da sua dieta diária.
Para cada ser humano, existem 2 mil toneladas de insetos. Desse total, 2 mil espécies são catalogadas como alimentos e, dentro desse grande grupo, só 10 são criadas comercialmente para alimentação humana, sendo os principais grilos, gafanhotos, formigas e tenébrios, os besouros na fase de larva.
Consumo no Brasil
O hábito de comer insetos costuma ser relacionado com a cultura de países asiáticos, como China ou Tailândia, mas o Brasil também tem essa tradição em sua culinária, muito pela influência indígena.
“Por aqui o maior consumo é de tanajuras, também chamada de saúvas, e formigas capim-limão, principalmente nas regiões Norte e Nordeste e também no Vale do Paraíba, em São Paulo”, diz Casé Oliveira, presidente da associação brasileira dos criadores de insetos (Asbraci).
As tanajuras são formigas com um abdômen mais protuberante, que pode ser consumido frito. Já a formiga capim-limão recebe esse nome justamente por ter um sabor que lembra a erva natural e ficou mais conhecida ao ser usada como uma iguaria em alguns restaurantes de chefs renomados.
O consumo de formiga por aqui é algo que já acontecia antes mesmo das caravelas portuguesas chegarem ao litoral e teve seu primeiro registro seis décadas após o descobrimento.
Em 1560, o jesuíta José de Anchieta escreveu a “Carta de São Vicente”, na qual detalha a fauna e a flora da nova colônia. O religioso relata em um trecho o consumo de formigas pelos indígenas e sua experiência ao comer os insetos assados, como no trecho abaixo:
“…tanto homens, como mulheres; deixam as suas casas, apressam-se, correm com grande alegria e saltos de prazer para colher os frutos novos, aproximam-se das entradas dos formigueiros e enchem de água os pequenos buracos que elas fazem, onde, estando, se defendem da raiva dos pais e apanham os filhos que saem das covas, e enchem os seus vasos, isto é, certas cabaças grandes, voltam para casa, assam-as em vasilhas de barro e comem-as; assim torradas, conservam-se por muitos dias, sem se orromperem. Quão deleitável é esta comida e como é saudável, sabêmo-lo nós, que a provámos.”
Valor nutricional
Os insetos são alimentos completos e saudáveis, mas que ainda enfrentam uma certa resistência para serem incluídos na dieta. A FAO destaca que eles são ricos em minerais essenciais à saúde humana, como cobre, ferro, magnésio, manganês, fósforo, selênio e zinco, e se destacam, principalmente, por serem uma fonte de proteínas.
“Eles são considerados uma fonte de proteína de qualidade por fornecer aminoácidos essenciais, ou seja, aqueles que corpo não produz e é preciso ingerir na dieta”, explica Dennys Cintra, pesquisador da Unicamp da área de nutrigenômica.
De maneira didática, o professor explica que os aminoácidos essenciais são importantes para produzir substâncias que fazem o corpo funcionar adequadamente, como enzimas, hormônios e até anticorpos, que atuam na defesa do organismo contra vírus e bactérias.
“O processamento dos insetos, aliado à técnica certa de condução da criação e à biologia deles, faz com que eles não tenham cheiro ou gosto pronunciado e mesmo assim mantenham alto potencial proteico”, afirma Ramon Santos Minas, pesquisador, professor e organizador dos livros “Insetos na Alimentação Humana – Guia prático de receita” e “Antropoentomofagia e entomofagia: insetos, a salvação nutricional da humanidade”.
Ramon explica que os insetos podem ser incorporados a qualquer alimento ao qual se deseje melhorar a parte nutritiva. O uso de farinhas compostas por insetos desidratados, por exemplo, é uma forma de enriquecer o valor nutricional, sem ter o impacto direto da aparência dos insetos, que pode causar ojeriza a quem não cresceu com o hábito de comer esses alimentos.
Uma das únicas ressalvas no momento de decidir experimentar um prato com insetos está relacionado com alergias. Mas é um risco equivalente ao de consumir qualquer outro alimento. As pessoas que têm reações alérgicas ao consumir camarão e frutos do mar, por exemplo, podem ter alguma reação.
No momento em que líderes mundiais discutem como diminuir a produção de gases do efeito estufa para tentar frear o aquecimento global, os criadores de animais para corte, como gado, estão na mira dos ambientalistas. O motivo é a liberação de gases como metano e amônia durante o manejo das criações.
“Em 2050, nós vamos ter uma população elevada e precisamos fornecer proteínas e nutrientes. Suprir essa demanda com a criação de gado, porco e frango, por exemplo, tem um custo ambiental elevado. A criação de insetos demanda pouco espaço, pouca água e pouco solo”, afirma Juliana Fracarolli, professora da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp.
Além disso, outra vantagem é que os insetos podem alimentar animais que hoje consomem rações fabricadas com grãos de milho e soja produzidos em grandes fazendas e que, no caso do Brasil, estão associados ao desmatamento da vegetação nativa.
Para a produção de 1 quilo de proteína de boi é preciso, em média, utilizar de 12 a 15 quilos de ração à base de grãos. Já para a obtenção de 1 quilo de insetos é preciso de cerca de 1,5 quilo de ração.
“Insetos desde sempre possuem sucesso reprodutivo porque exigem pouco da natureza. Essa organização ao longo dos séculos possibilitou a eles serem fortes candidatos a substituírem ou atuarem de forma complementar à dieta humana”, pontua Ramon.
“Para quem pensa nessa questão do sofrimento que os animais de sangue quente passam ao serem abatidos, o consumo de inseto é mais interessante. Os mamíferos, por exemplo, têm um organismo parecido com o nosso, demonstram sentimentos e sofrem para morrer”, afirma Juliana.
Quando chega o momento de abater o inseto, tempo que varia de acordo com cada criação, o produtor retira o alimento e passa a oferecer só água por até 48 horas para limpar o trato digestivo. Então, os insetos vão para a etapa de congelamento até, enfim, morrer. Em seguida, em alguns casos, são desidratados e secos para serem usados como alimentos.
A produção de insetos para consumo humano é mais simples do que administrar uma fazenda, mas exige cuidados durante todo o processo. A Anvisa orienta que “as empresas que têm interesse de atuar nesse ramo devem realizar um estudo criterioso sobre essas práticas e as regras para regularização, pois, embora seja uma área promissora, exige qualificação técnica, tempo para obtenção das licenças e registro, além de investimentos em infraestrutura.”
Proteína do futuro?
Os insetos já estão presentes na vida de todo o mundo como componentes de produtos. Existe um corante vermelho muito usado nos alimentos e na fabricação de cosméticos, por exemplo, que vem do besouro cochonilha, mas o cenário muda quando o assunto é o consumo em alimentos.
A FAO ressalta que os insetos não devem ser vistos apenas como uma alternativa para períodos de fome, mas como um item escolhido por muitas populações por seu sabor. Em países onde essa prática é algo comum, os pratos costumam ser caros e consumidos pela população mais rica.
Para Juliana, a inclusão dos insetos na dieta do brasileiro deve seguir os mesmos passos de um famoso prato da culinária japonesa.
“Eu acredito que vamos conseguir aumentar o consumo de insetos por aqui conforme as pessoas vão aprendendo e se acostumando com esse tipo de alimento. Eu acho que o caminho será o mesmo do sushi, que antes as pessoas não consumiam, por ser peixe cru, e hoje é algo bem normal.”
Dennys aposta que esse é um processo que deve levar algum tempo. “Antes, é preciso quebrar algumas barreiras, como o preconceito, até que seja adotado como hábito aos poucos. O que as pessoas precisam saber é que não tem problema consumir insetos e que é mais uma falta de costume.”
Hoje, o preço ainda é alto para que seja uma fonte alternativa de proteínas. A procura ainda é maior do que a produção e está mais direcionada para alimentar animais. Por isso, 1 quilo de larva de besouro chega a R$ 450. “Por enquanto é muito caro para trocar por outros proteínas, mas com o hábito eu acredito que será a proteína do futuro”, diz Casé.
A Anvisa afirma que o uso de insetos na formulação de produtos está expandido, mas que, até o momento, não avaliou a segurança de consumo de insetos para a população brasileira e, por isso, recomenda cautela por parte do consumidor.
O professor Ramon destaca que os insetos vivos não devem ser consumidos pelas pessoas. “Como qualquer outro ser vivo, os insetos podem possuir contaminantes. Eu recomendo, sempre, comer insetos processados por empresas especializadas, pois elas possuem técnicas de abate que minimizam eventuais contaminantes.” (Pablo Marques/R7).