Região Sul do Brasil (PR, SC e RS) perdeu o controle da pandemia e agora é o epicentro da covid-19
A região Sul do Brasil perdeu o controle da pandemia, virou epicentro da covid-19 e se vê obrigada a fechar comércio e praias para conter a explosão do novo coronavírus. Na soma dos três Estados, o número de casos triplicou, saindo de 49.908 no dia 20 de junho para 155.078 na manhã desta segunda-feira, 20. As mortes acompanharam a escalada de casos, passando de 1.095 para 3.264. O governo de Santa Catarina voltou a fechar as praias em todo o litoral, um dos mais procurados pelos turistas no País. No Rio Grande do Sul, com a capital ameaçada de lockdown, 18 das 20 regiões foram para a fase vermelha, de alto risco de infecção.
O maior salto da doença aconteceu no Paraná, onde os casos saíram de 13.662 para 54.629 – quatro vezes mais – e as mortes aumentaram de 428 para 1.327 – mais que o triplo. O governo paranaense confirmou mais 1.062 casos e 19 mortes neste domingo. Só na capital, Curitiba, já são 13.398 casos e 350 mortes. No domingo, foram registrados 307 casos novos e 14 óbitos. Desde meados de abril, o comércio vem abrindo e fechando conforme a evolução dos casos.
No último dia 14, um decreto do prefeito Rafael Greca (DEM) liberou atividades não essenciais, mas manteve proibidos missas e cultos presenciais na capital. O comércio, incluindo shoppings, só podem funcionar de segunda a sexta, com horário restrito. Nesta segunda, Curitiba tinha 2.206 pacientes internados com sintomas ou resultado positivo para a doença, dos quais 964 em UTI.
O novo coronavírus avança também no interior. Dos 399 municípios paranaenses, apenas 11 não tinham casos confirmados de covid-19. Em 201 já houve mortes. Em Sarandi, com 97 mil habitantes, no noroeste do estado, em um mês, o número de casos subiu de 34 para 297 e de um óbito para cinco. “Antes, tínhamos o comércio funcionando de segunda à sexta, das 9 às 17, e aos sábados das 9 às 13 horas. Agora, estamos fechando o comércio aos sábados e domingos”, disse o assessor de comunicação do município, Roberto Lima. Nesta segunda, quatro moradores estavam internados com a covid-19, três delas em hospitais de Maringá, cidade polo da região.
Alto risco
No Rio Grande do Sul, de 20 de junho para cá, o número de casos passou de 19.138 para 47.113, enquanto as mortes subiram 430 para 1.252. A capital, Porto Alegre, já luta contra a falta de leitos. Na noite de domingo, 270 pacientes estavam em UTIs, 24% a mais que no domingo anterior. Incluindo outras doenças, havia 671 pessoas internadas, com 92% de ocupação dos leitos hospitalares. A maioria dos municípios gaúchos está na fase mais restritiva do distanciamento controlado, plano de reabertura gradual que funciona desde 10 de maio no Estado, mas muitas prefeituras pressionam o governo para ficar em fase de menor restrição.
O governador Eduardo Leite (PSDB) disse que a situação atual é preocupante e que o isolamento social se impõe. “Estamos acompanhando este momento mais crítico na demanda pelas UTIs, mas o nosso grande esforço é para garantir o atendimento. No entanto, é impossível fazer a ampliação para atender uma demanda que não para de crescer. Há limitação física, há limitação de estrutura e de recursos humanos”, afirmou. Ele fez um apelo aos prefeitos para uma política de cogestão do modelo de distanciamento. “Esse sistema precisa de um pacto entre as partes para que seja efetivo.”
O prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Junior (PSDB) chegou a cogitar a adoção de um lockdown na capital. Ele disse que a demanda por leitos de UTI vem acelerando desde a primeira semana de julho, por isso foram adotadas restrições de forma gradual, mas não houve o isolamento necessário. “Não consigo impor (o lockdown) sozinho se não houver uma parte da cidade trabalhando em unidade. Essa tem de ser uma decisão de consciência da nossa sociedade. É uma opção que parece hoje recomendada, mas se for apenas no decreto, não vai surtir efeito”, disse.
Nesta segunda, o novo mapa do distanciamento controlado no estado colocou 18 das 20 regiões na fase vermelha, considerada de alto risco. É o maior número de regiões na fase mais crítica desde o início do plano. Apenas duas – as regiões de Bagé e Pelotas – estão com a bandeira laranja. No interior gaúcho, prefeituras se rebelam contra as restrições. Dos 497 municípios, 59 entraram com pedidos de mudança para faixa menos restrita.
A prefeitura de Uruguaiana, no extremo oeste, vai entrar com recurso contra a inclusão na fase vermelha. De acordo com o secretário de administração, Ricardo San Pedro, a cidade tem autossuficiência hospitalar, baixa incidência de óbitos e elevado número de pessoas curadas, além de alta testagem. “Estamos com barreiras sanitárias em quatro pontos da cidade e até o momento não temos um único óbito confirmado”, disse.
Sem praia
Em Santa Catarina, os casos de coronavírus evoluíram de 17.108 há um mês para 53.336 na manhã desta segunda. As mortes cresceram de 237 para 685. Além da capital Florianópolis, cidades do interior já enfrentam saturação nos hospitais. Em todo o estado, dos 1.376 leitos, 1.042 estavam ocupados, taxa de 75,7%, a maior desde o início da pandemia. Nesta segunda, o governo usou escolta policial para enviar respiradores e monitores para hospitais de Blumenau, Timbó e Curitibanos.
A doença se espalhou em 284 dos 295 municípios. Joinville lidera com 4.517, seguida por Blumenau (3.366) e Balneário Camboriú (3.144). Na capital são 2.495 pessoas infectadas. Nesta segunda-feira, entraram em vigor novas medidas decretadas pelo governador Carlos Moisés (PSL) para aumentar o isolamento em sete regiões classificadas como “em situação gravíssima”. Nos 111 municípios, o transporte coletivo urbano foi suspenso por 14 dias. A suspensão das aulas presenciais foi adiada até 7 de setembro.
A proibição da frequência às praias entrou em vigor neste fim de semana e atinge todas as cidades da Grande Florianópolis, além de Balneário Camboriú e cidades praianas da região de Joinville. Já o fechamento de parques e praças vale para todo o Estado. “Como já havíamos falado, a primeira quinzena de julho foi um das mais difíceis. Ampliamos os leitos de UTI, contratamos profissionais e aumentamos a testagem, mas o esforço do governo em proteger o cidadão tem que ser aliado ao esforço da população em manter o distanciamento social”, disse o governador.
Em Blumenau, após a cidade atingir 96% de ocupação dos leitos de UTI e registrar o 28.o óbito nesta segunda, a prefeitura suspendeu a circulação dos ônibus urbanos e de veículos de fretamento e turismo. Também pararam as academias, shopping centers e o comércio em geral. Restaurantes só podem funcionar em delivery. O decreto suspendeu a entrada de novos hóspedes em hotéis e motéis. Todas as atividades coletivas, inclusive em clubes sociais, foram suspensas. Com 358 mil habitantes, a cidade turística do interior catarinense chegou a 5.585 infectados pelo novo coronavírus.
Neste fim de semana, a Polícia Militar atendeu quase 7 mil ocorrências ligadas ao novo coronavírus no estado. Destas, 3,4 mil se converteram em autuações, sendo 583 pelo não uso de máscara, 615 em estabelecimento sem álcool gel e 312 interdições por funcionamento irregular de comércio. Foram lavrados 1.089 registros de infração de medida sanitária, incluindo aglomerações em festas e bailes, além de 51 prisões por crime de desobediência. “Infelizmente, a sociedade catarinense não está acreditando na necessidade de manutenção do distanciamento social”, disse o comandante geral, coronel Dionei Tonet.
Para o infectologista Alexandre Vargas Schwarzbold, pesquisador da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, não há dúvida que o agravamento da pandemia se deve ao isolamento social ineficaz. “A população não respeitou as medidas de distanciamento, que foi controlado, permitindo até que a vida econômica, de algum modo, com restrições, prosseguisse. A circulação viral veio para região sul e, com o relaxamento social, ela explodiu. A velocidade de transmissão se deve esse isolamento social inefetivo, o que exige agora do poder público uma acentuação do isolamento. No cenário atual, no máximo 25% das atividades poderiam estar presentes.”
No último dia 17, a Sociedade Riograndense de Infectologia, presidida por Schwarzbold, divulgou nota de alerta sobre o avanço do novo coronavírus e a grave situação epidemiológica vivida pelo estado. “Na região metropolitana de Porto Alegre, estamos na iminência de um lockdown, que entendemos necessário, mas de uma forma que o governante possa ter o respaldo da população. Claro que, se o isolamento social tivesse sido respeitado, não precisaríamos disso hoje.”
O geógrafo Eduardo Augusto Werneck Ribeiro, professor do Instituto Federal Catarinense (IFC) e especialista em geografia da saúde, vê a explosão de casos nos estados do Sul como uma segunda onda da covid-19. “A mobilidade foi a responsável por essa maior contaminação. Houve o bloqueio, a adesão por cerca de 8 dias, quando o índice de isolamento social chegou a 70%, e depois o relaxamento. Quando houve a flexibilização, as pessoas já estavam na rua.”
Uma pesquisa feita por Ribeiro pela internet em Camboriú, litoral catarinense, deu a medida de como as pessoas, mesmo com mais instrução, relativizam a importância do isolamento social frente à pandemia. “Ouvimos 129 pessoas com curso superior e 30% disseram que não correriam risco de contágio indo à praia. É um porcentual elevado.” Ele observou também que, nos dias de sol, muitos moradores de Blumenau deixavam o isolamento para passear e ir à praia. “O que estamos vendo agora é o resultado da irresponsabilidade associada à mobilidade”. (Com conteúdo do jornal O Estado de São Paulo).