Prorrogação de mandatos de prefeitos e vereadores é casuística, inconstitucional e representa uma ameaça à democracia, mas o Senado aprovou o adiamento das datas
A proposta articulada, nos bastidores, por um grupo de deputados e tentar inviabilizar a realização das eleições neste ano e prorrogar o mandato dos atuais prefeitos e vereadores é casuística, inconstitucional e representa uma ameaça à democracia, na avaliação de especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco.
Para o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Joelson Dias e para o presidente da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Marcelo Weick, qualquer tentativa de se evitar que as eleições ocorram ainda em 2020 será derrubada pela Justiça por ferir princípios fundamentais da Constituição Federal. Eles também condenam as articulações para que se posterguem as eleições municipais para 2022, unificando-as com as disputas para presidente, governador, deputado e senador.
As principais informações deste texto foram enviadas antes para os assinantes dos serviços premium do O Senado aprovou nessa terça-feira (23) a proposta de emenda constitucional que adia de 4 e 25 de outubro para os dias 15 e 29 de novembro a votação em primeiro e segundo turnos. Mas o texto, avalizado pelo presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, enfrenta resistência na Câmara, onde precisará do apoio de ao menos 308 deputados em duas rodadas de votação.
A Casa é considerada mais suscetível à pressão de vereadores e prefeitos, importantes cabos eleitorais dos deputados. Há lobby por parte de alguns deles para permanecer no cargo por mais tempo. Nesse caso, o adiamento da eleição para 2021 ou até mesmo para 2022, em uma disputa unificada com as eleições gerais, como defendem alguns parlamentares, poderia trazer dividendos eleitorais futuros para os próprios deputados, que poderiam então cobrar a fatura pela ajuda dada agora.
Inconstitucionalidade
Parlamentares que defendem o adiamento das eleições para novembro temem que a Câmara rejeite a mudança na tentativa de dificultar a organização da Justiça eleitoral, deixando no ar a possibilidade de se chegar à conclusão, em cima da hora, de que não há condições para se votar neste ano. O adiamento poderia abrir caminho, segundo eles, para a votação de uma proposta que prorrogue os mandatos. A iniciativa tem apoio de parte do Centrão.
“É totalmente inconstitucional. É do sistema republicano a periodicidade do mandato. É como um contrato feito há quatro anos entre o eleitor e o eleito de que ele teria mesmo período de mandato. Chegou a hora de prestar conta”, observa Joelson, que também é membro-fundador da Abradep. Ele não acredita na possibilidade de não haver eleição ainda em 2020.
Marcelo Weick entende que, caso o Congresso não aprove o adiamento, a Justiça eleitoral fará um “esforço colossal” para garantir que a votação ocorra em outubro. “O nosso temor é que, sabendo da opinião de epidemiologistas, infectologistas e do TSE, tente-se criar uma situação que gere a teoria do fato consumado. Ou seja, com as dificuldades, defenda-se que a eleição só seja feita no ano que vem”, afirmou o advogado eleitoral, professor de Direito da Universidade Federal da Paraíba.
Unificação de eleições
Na avaliação dele, o adiamento em 42 dias da eleição é suficiente para que candidatos, partidos e a Justiça eleitoral se organizem adequadamente para um quadro de excepcionalidade, em que haverá menos interação direta com eleitores devido ao isolamento social. O tempo também poderá ser útil para que passe o pico da pandemia.
Para a Academia Brasileira de Direito Eleitoral, a eventual unificação das eleições provoca problemas tanto à democracia quanto à gestão das eleições no país. Sem alarde, alguns parlamentares cogitam mudar a Constituição para assegurar mais dois anos de mandato a prefeitos e vereadores, incorporando a disputa municipal no calendário de 2022, quando serão escolhidos presidentes, governadores, deputados e senadores. A tentativa de unificação das eleições já foi derrotada duas vezes no Congresso nos últimos anos.
De acordo com estudo feito pela entidade, a realização da eleição nesses moldes traria uma série de prejuízos: confusão das agendas políticas dos três níveis na mesma eleição; excessivo número de candidatos; incapacidade estrutural de se administrar uma eleição com tantos cargos em disputa ao mesmo tempo; atraso maior no julgamento dos registros e aumento do custo das eleições, com a necessidade de renovar, por exemplo, todo o estoque de urnas eletrônicas.
“Também prejudica a educação cidadã ao fazer com que o eleitor seja convocado a ser pronunciar apenas de quatro em quatro anos. Reduz a possibilidade de oxigenação no poder. Com a eleição intercalada, é mais fácil para um político galgar outro cargo”, acrescenta Marcelo Weick. A ABDP reúne mais de 250 integrantes, entre advogados, juízes e servidores que atuam na área.
Centrão e prefeitos
Como mostrou ontem o Congresso em Foco, deputados do Centrão, do Republicanos, do PL e do PP, defendem que não se adie a eleição. O MDB deve liberar a bancada e no PSL ainda há divisão de posicionamento. Até agora, os partidos de oposição – PT, Psol, PCdoB, PV, PDT e PSB – são os únicos que já fecharam questão pelo adiamento.
O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já se colocou favorável ao adiamento da disputa para novembro. Para ele, não faz sentido que o Congresso esteja liberando dinheiro e votando matérias de enfrentamento à pandemia para, em outubro, desconhecer essa situação de calamidade. Um dispositivo aprovado pelo Senado permite a realização de eleição até 27 de dezembro em localidades muito atingidas pela covid-19.
O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Glademir Aroldi, defende que não há como realizar as eleições municipais neste ano. Aroldi ressaltou que há muitos candidatos em grupo de risco da covid-19 que ficarão expostos ao vírus durante a campanha e concorrerão em condições desiguais com os demais adversários. “Entendemos que o Brasil não reúne as condições sanitárias, econômicas, sociais e jurídicas para a realização de um pleito neste ano”, disse o presidente da CNM, que reúne prefeitos de municípios médios e pequenos.
Mudanças no calendário
A PEC aprovada pelo Senado adaptou os prazos eleitorais para as seguintes datas:
- A partir de 11/08: vedação à transmissão de programa apresentado ou comentado por pré-candidato;
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De 31/08 a 16/09: escolha dos candidatos e definição das coligações;
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Até 26/09: registro das candidaturas no TSE;
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Após 26/09: início da propaganda eleitoral em rádio, TV e internet;
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Até 15/12: envio das prestações de contas.
Os prazos para desincompatibilização que, na data da publicação da Emenda Constitucional, estiverem a vencer serão computados considerando-se a nova data de realização das eleições. Já os prazos vencidos não poderão ser reabertos.
A diplomação dos eleitos deverá ocorrer no dia 18 de dezembro e o julgamento das contas eleitorais terá prazo estendido, até 12 de fevereiro de 2021.
O texto autoriza os partidos políticos a realizarem convenções, escolha de candidatos e formalização de coligações por meio virtual. A definição dos critérios de distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha também não precisará ser presencial. Caberá ao TSE a possibilidade de se ampliar o horário de votação. (Congresso em Foco).