Estado do Paraná não tem leitos suficientes para atender se a pandemia da Covid-19 aumentar
Pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) fizeram um análise baseada em projeções matemáticas realizadas pela Imperial College London em várias regiões do Estado que indica que o número de leitos disponíveis no Paraná será inferior à demanda durante a pandemia do Covid-19. O estudo serve como um alerta e chama a atenção para a importância da restrição de circulação de pessoas, já que mesmo no melhor cenário simulado a estrutura de saúde do Paraná não seria suficiente para atender toda a demanda se essa quantia de pessoas adoecesse em um curto espaço de tempo. Além disso, os leitos e respiradores em questão não são destinados apenas a pacientes internados pela Covid-19, outros quadros de saúde complicados também requerem tratamento intensivo, o que diminui ainda mais a soma total.
Com 29 municípios, a 2ª regional, que abarca Curitiba e região metropolitana, tem a maior população do estado do Paraná. Tendo como parâmetro os mesmos 10% de contaminados, 365.496 seriam acometidos, dos quais 18.274 casos graves iriam requerer tratamento intensivo com respiradores. A região dispõe de apenas 981 leitos de UTI e 1.625 respiradores.
No Litoral – Aproximadamente 30 mil pessoas serão infectadas pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) em todo o litoral do estado do Paraná. Destas, 19%, o correspondente a 5.643, precisarão de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e ventiladores mecânicos. Formado por sete municípios, o litoral dispõe de apenas 21 leitos de UTI, situados em Paranaguá, que devem atender toda a região. O estudo feito pelo Programa Educação pelo Trabalho em Saúde (PET-Saúde Litoral) partiu do princípio de que 10% da população litorânea seria infectada, observando um cenário real em que não existe uma supressão generalizada da circulação de pessoas. A análise britânica para o Brasil, que fundamentou a investigação, aponta cinco cenários diferentes, de acordo com as medidas adotadas pelo país. No pior deles, sem nenhuma mitigação na circulação de pessoas, 88% da população brasileira seria contaminada.
Os outros panoramas comparam o distanciamento social em diferentes níveis. Com distanciamento social de toda a população, 57% seria infectada (cenário 2). Havendo distanciamento social e reforço do isolamento dos idosos, 55% seria contaminada (cenário 3). Com a supressão tardia da circulação de pessoas, 23% se infectariam (cenário 4), enquanto que a supressão precoce da circulação resultaria em apenas 5% de contaminados (cenário 5).
A metodologia adotada para o litoral do Paraná foi um meio termo entre os cenários de supressão tardia e supressão precoce. “Essa escolha otimista, de 10%, nos descolou do cenário 3, o chamado isolamento vertical que vem sendo defendido pelo presidente da república. Porém, não nos localizamos exatamente no cenário 4, nem no 5, pois se sairmos às ruas, observamos que a população ainda resiste às medidas mais restritivas de isolamento, embora haja importante redução de circulação em espaços públicos”, explica o professor de Saúde Coletiva da UFPR e coordenador do PET-Saúde, Marcos Signorelli.
Cabe ressaltar que o estudo foi realizado há cerca de duas semanas. Recentemente tem se observado uma tendência de afrouxamento das medidas restritivas, com reabertura de comércios e menor aderência da população ao distanciamento social. Nesse casso, o cenário 3, em que 55% da população poderia ser acometida, está ficando cada vez mais próximo, o que indica piora na proporção da demanda por leitos e dos leitos disponíveis.
Tendo como base a quantidade populacional informada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 10% de infectados no litoral paranaense corresponderia a 29.704 pessoas, das quais 5.643 precisariam de leitos de UTI, pois seriam casos mais graves. A região é formada por sete municípios: Paranaguá, Guaratuba, Antonina, Matinhos, Guaraqueçaba, Morretes e Pontal do Paraná. Destes, apenas o primeiro conta com leitos de UTI, são os 21 pertencentes ao Hospital Regional do Litoral e que devem atender toda a microrregião.
Carla Straub, professora de Saúde Coletiva e integrante do PET, esclarece que o Sistema único de Saúde (SUS) é organizado em regiões. “Se pensarmos na lógica do sistema, a menor unidade é a região. A maioria dos municípios da região litorânea é de baixo e médio porte e não compota a estrutura necessária para abrigar uma UTI, que exige equipamentos, equipes treinadas, entre outros aspectos. A distribuição dos leitos segue a lógica da economia de escala, por isso Paranaguá, como maior cidade do litoral, concentra a chamada atenção especializada, que inclui os leitos de UTI”. O cuidado intensivo é bastante específico e requer uma estrutura física e de equipe técnica adequada como médicos intensivistas, médicos infectologistas, enfermeiros especializados, bioquímicos para realização de certos exames, entre outros.
“Essas estimativas são importantes para compreendermos a nossa capacidade instalada. A capacidade do SUS é condizente com um padrão de doenças e agravos habituais. Mesmo assim, há estudos que indicam uma baixa proporção de leitos para habitantes quando comparado a outros países. Além disso, temos uma desproporção entre leitos públicos e privados”, afirma a professora. Para o estudo, foram contabilizados os leitos públicos e privados existentes no litoral do estado.
“Chegamos à conclusão de que os leitos de UTI no litoral paranaense são distribuídos de uma maneira muito desigual. Se uma pessoa de Guaratuba, por exemplo, tem uma complicação, seja pela Covid-19 ou o por outro problema, precisa se deslocar até Paranaguá para ser atendida, o que é impraticável em um caso de vida ou morte. No caso específico da Covid-19, estima-se que muitas pessoas precisarão de suporte de terapia intensiva e essa relação entre população e leitos de UTI não dá conta, mesmo no melhor cenário”, afirma Signorelli.
Até a tarde deste domingo (12), havia oito casos confirmados de Covid-19 no litoral, sendo dois em Matinhos e seis em Paranaguá, dos quais dois resultaram em óbito.
Telêmaco Borba – O grupo também fez a projeção para outras regiões do Paraná, tendo sempre como base as regionais de saúde. A 21ª regional, de Telêmaco Borba, compreende sete municípios e conta com 12 leitos de UTI e 14 respiradores. Se 10% da população regional fosse infectada, 18.845 pessoas, 942 leitos seriam necessários (5% da população total).
Ponta Grossa – A 3ª regional, de Ponta Grossa, por sua vez, compreende 12 municípios e tem à sua disposição 136 leitos de UTI e 179 respiradores. Caso 63.729 pessoas, apenas 10% da população dessa região, se contaminassem com o coronavírus, 3.186 leitos seriam necessários
Ivaiporã – Na 22ª regional, Ivaiporã, estão disponíveis 49 leitos de UTI e apenas 30 respiradores. A microrregião compreende 16 municípios e teria 12.864 contaminados, sendo que 643 seriam casos graves. Já a região de Irati, 4ª regional, atende nove cidades e possui 23 leitos de UTI e 41 respiradores. Caso o cenário de 10% da população atingida se replicasse ali, 17.493 indivíduos seriam infectados, sendo que 874 careceriam de tratamento intensivo.
SUS
Para Carla, o objetivo do estudo é claro: demonstrar a importância do isolamento para o achatamento da curva e para ganhar tempo. “Tanto para a busca de tratamento e de vacinas, como para uma resposta do sistema de saúde com adaptações que estão em curso como a abertura de novos leitos, a ampliação de recursos físicos e humanos e também para ter uma capacidade instalada adequada à demanda”.
“Há uma assimetria regional muito intensa no Brasil, com concentração de leitos de UTI em algumas regiões, como a sudeste. Mesmo dentro do Paraná há essa assimetria. Por isso, esse contexto deve encaminhar a criação de uma central única de regulação de leitos, a exemplo da Espanha. Semana passada já foi criado um cadastro único para os profissionais de saúde”, aponta a professora.
Para ela, a solução estaria não em abrir leitos de UTI em todas as cidades, mas em criar mecanismos que se adaptem à lógica de um sistema de saúde que atende a uma região. Transporte rápido de urgência e emergência, mais helicópteros à disposição e UTI móveis seriam algumas opções.
O subfinanciamento que o SUS tem enfrentado também tem papel importante nessa crise. “A lógica de oferta e demanda do sistema tem sido orientada, nos últimos anos, pelos recursos financeiros. A oferta dos serviços não necessariamente seguiu o mesmo fluxo das necessidades da população que cresceu, ficou mais complexa e passou a apresentar nova carga de doenças e agravos”, aponta a integrante do PET – Saúde. “Um sistema como o SUS precisa de financiamento adequado porque está lidando com vidas humanas e saúde é um direito de cidadania no Brasil”.
O PET
Financiado pelo Ministério da Saúde, o PET – Saúde e Interprofissionalidade no SUS tem a proposta de integrar, em um trabalho multidisciplinar, as áreas da atenção básica de saúde no SUS como psicologia, fisioterapia, medicina, fonoaudiologia e nutrição. O programa é composto por docentes e estudantes dos cursos de Saúde Coletiva, Serviço Social e Educação Física. (UFPR/Bem Paraná).