Os erros dos Estados Unidos que o Brasil está repetindo no combate à covid-19

Os Estados Unidos se tornaram o epicentro da pandemia de coronavírus no mundo. O país atualmente lidera o ranking mundial de infectados e mortos pela covid-19, com mais de 530 mil casos e 20 mil óbitos confirmados até a manhã deste domingo (12) 

O médico Herlen Alencar, brasileiro que vive e trabalha em Boston é especialista em Radiologia Intervencionista pela Harvard Medical School e tem vivenciado de perto a expansão da doença em território americano. Para ele, o Brasil está perdendo um tempo importante em que poderia adotar ações de prevenção à doença para não repetir os erros dos Estados Unidos.

Olhando para a evolução da doença em diferentes países, Alencar prevê que a situação do Brasil deve ser pior do que a dos Estados Unidos quando a pandemia atingir seu pico por aqui. “O sistema de saúde brasileiro é um pouco mais frágil, o nível socioeconômico é menor e as pessoas não estão seguindo as regras de distanciamento social”, avalia.

As projeções oficiais do Ministério da Saúde mostram que em qualquer um dos cenários possíveis, o país ainda verá um aumento significativo no número de casos de covid-19. Atualmente, estamos na 15ª semana epidemiológica, a previsão é que o pico aconteça dentro de 10 semanas. 

No Brasil, como mostra a tabela abaixo, a curva de mortes sobe mais rapidamente que nos Estados Unidos.

Fonte: Universidade Johns Hopkins, EUA, compilado pelo gabinete do deputado Homero Marchese (Pros-PR)

O risco do colapso do sistema de saúde

A razão do esforço de isolamento social é evitar uma explosão simultânea no número de casos, o que leva sistemas de saúde ao colapso. O gráfico abaixo, feito pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, ilustra como funciona essa relação. A linha tracejada representa a estrutura do sistema de saúde de um determinado local, com capacidade para comportar um certo número de doentes. Quando a quantidade de pessoas em estado grave, aquelas precisam ser internadas, ultrapassa essa linha, o limite do sistema é extrapolado. 

Universidade de Michigan a partir de dados do CSC

“É aí que o sistema de saúde entra em colapso. Acaba leito, acaba médico, acaba equipamento de proteção. O que está acontecendo ao redor do mundo é a história de achatar a curva com isolamento social [linha amarela]. Enquanto a linha azul são os locais onde você não faz isolamento social e o número de doentes supera o número de leitos e recursos disponíveis do sistema de saúde. Então, Nova York está chegando nesta ponta em que se está ultrapassando essa linha tracejada”, explica. 

“Na verdade, Nova York não tem estrutura suficiente para atender aos doentes, isso a gente já sabe. Eles não tem ventiladores suficientes, profissionais de saúde suficientes, eles não têm hospitais suficientes. Nova York, hoje em dia, está em estado de guerra, a cidade e o estado de maneira geral”, acrescenta.

Quando este limite do sistema entra em colapso “você sequer tem onde colocar os doentes. É isso o que está acontecendo em Nova York, por exemplo, não tem mais leitos de UTI, todos os leitos estão ocupados” complementa Herlem Alencar. 

“Negar a realidade não muda a realidade”

Para Herlen Alencar, foi necessário que os Estados Unidos chegassem ao que ele chama de “realidade inegável” para que o presidente Donald Trump mudasse o seu discurso. Por semanas, o chefe de estado negou a gravidade do coronavírus, até que se rendeu aos fatos e passou a incentivar o isolamento social como uma das medidas para conter o avanço da doença. “Quando você vê caminhões frigoríficos estacionados nas ruas com os corpos em Nova York, por não ter onde enterrar as pessoas. Então, você caminha ao lado de um hospital vendo isso e assiste uma pessoa na televisão negando que aquilo está acontecendo é difícil, né? Aí as pessoas começam a acreditar“, explica.

“Cada país vai ter que aprender com os seus próprios dados. Na minha opinião, eu acho que é difícil acreditar que o Brasil vai ser melhor que os Estados Unidos ou que a Itália ou que a Espanha, porque tem mais pobreza e o sistema de saúde é mais frágil, não tem tanta riqueza para combater a catástrofe econômica e ainda existe uma discussão se isso é sério ou não. Em vez de o Brasil estar brigando para combater a doença existe uma discussão se é verdade ou se não é, se é coisa séria ou se não é. O Brasil está perdendo tempo discutindo. O Brasil ainda está negando uma realidade, quanto mais tempo você passar negando a realidade, mais chance você está dando ao vírus de se propagar dentro do país”.

O caminho do vírus pelo país

Herlen explica que o pico da epidemia é atingido em momentos diferentes num país de dimensões continentais, como os Estados Unidos e o Brasil. por isso, enquanto há uma explosão de casos em certos estados como Nova York, California e Massachusets, região onde está localizada Boston, existem outros lugares com pouquíssimos casos confirmados, como Wyoming, com 230 casos, ou Dakota do Norte, com 251. 

“Acredita-se que o Brasil vai seguir o padrão dos Estados Unidos em que você tem estados que quase não tem [casos confirmados] e outros que estão em situação de calamidade. É uma questão de tempo até todos os estados serem acometidos. Todos os estados vão ser acometidos em períodos diferentes. Quanto mais heterogêneo for o país, mais heterogênea vai ser a variedade”, explica.

Ele relata que dos 50 estados americanos, 17 deles ainda não decretaram medidas de isolamento por não terem muitos casos registrados. Nesses locais, é comum o argumento de estarem protegendo a economia, discussão muito parecida acontece no Brasil. Alencar faz a seguinte analogia: “Você fecha a porta quando o ladrão entra ou antes do ladrão entrar na sua casa?”. “Do que adianta fechar a casa e colocar um cadeado depois que o ladrão entrou?”. 

O médico diz que a taxa de transmissão do vírus varia em diferentes países. Entretanto, relata uma situação que ilustra a rapidez com que o coronavírus é transmitido. Um dos primeiros casos em Boston aconteceu durante uma conferência da empresa de biotecnologia e farmacêutica Biogen, que reuniu pelo menos 150 pessoas de diferentes lugares do mundo. “Um pesquisador alemão completamente assintomático participou desse encontro, por quatro horas, uma manhã, e depois volto para a Alemanha. Dias depois ele foi diagnosticado com coronavírus. Aos poucos as pessoas que participaram do encontro começaram a apresentar os sintomas. Foram detectadas 77 pessoas infectadas que participaram deste encontro”, relata. Estes casos são conhecidos como superspreading em que uma pessoa infectada passa para dezenas de pessoas, geralmente em grandes eventos.  Portanto, Alencar afirma “essa é a importância do isolamento social, você não sabe quem está doente. Essa história do isolamento vertical a gente sabe que não funciona.”

As medidas que dão bons resultados (e que o Brasil não está adotando) 

Enquanto Jair Bolsonaro defende que o distanciamento social seja afrouxado e governadores já cogitam rever medidas de isolamento ainda antes de o país atingir o pico da crise, Herlen Alencar aponta com clareza as vantagens de reduzir a interação social.

“Existem evidências de que quanto antes você tomar essas medidas mais drásticas, como isolar as pessoas, menor é o impacto da doença, e mais rápido você consegue controlar. Como o número de mortes é proporcional ao número de infecções, por tabela, você reduz o número de mortes. Isso a gente vai ver também aqui nos Estados Unidos, em que alguns estados aprenderam com os erros e fecharam o estado mais cedo, enquanto outros estão demorando. A Espanha e a Itália estão passando pelo que estão passando porque demoraram a fechar as escolas e tomar essas medidas”, explica.

Hong Kong e Taiwan, ambos localizados no território chinês, conseguiram achatar a curva de propagação do vírus tomando medidas rápidas. Atualmente, Taiwan registra 385 casos confirmados e 6 mortes, enquanto que Hong Kong registra 1001 casos e 4 óbitos. Estes países, densamente populosos e geograficamente próximos ao ponto inicial da pandemia, conseguiram conter o avanço da covid-19 muito mais rapidamente do que a maioria dos locais. Em dois meses desde o início da pandemia, Hong Kong, com mais de 7 milhões de habitantes, registra 128 casos por milhão de habitantes e 0,5 mortes. Taiwan, com uma população de mais de 23 milhões de pessoa, se manteve nos 16 casos por milhão de habitantes e 0,2 mortes.

Rapidamente, os dois territórios adotaram medidas de restrição de viagens, recomendaram o uso de máscaras por toda a população, espalharam pontos com álcool em gel nos locais públicos e o isolamento social foi decretado: escolas foram fechadas e a população se isolou. Essas medidas foram acompanhadas pela testagem intensiva da população: em Hong Kong foram feitos mais de 12 mil testes por milhão de habitantes e em Taiwan mais de mil; no Brasil são testados 258 pessoas por milhão de habitantes.  (Congresso em Foco).

Posts Similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *