Em cartaz, no Cine Luz: “Justificativas em discursos inflamados não limpam o pó da realidade”.
(Matéria de autoria do jornalista Marcelo Storck, postada em seu Site A2 no último dia 28 de setembro)
Local de memoráveis espetáculos da grande tela desde de a década de 1950, com amplo incentivo ao teatro, à música e à cultura, o Cine Teatro Luz em 2019 exibe um cenário da vida real que contrapõe ao próprio nome, quiçá, à sua rica história: na escuridão, o prédio vive seu momento mais sombrio.
Quem passa pela frente do belo edifício à rua Carlos Cavalcanti, no centro histórico de União da Vitória – principalmente o turista que foi convencido, por exemplo, pelo vigente site “Visite União” – e lê na porta de entrada entre os dizeres a expressão “estamos trabalhando” deve imaginar que há ali uma obra de construção civil em andamento. Porém, os trabalhos anunciados habitam, desde 2016, a esfera burocrática e em nada têm resultado na preservação física do edifício que foi cedido para a Fundação Municipal Centro Universitário de União da Vitória (Uniuv) numa questão revertida na câmara municipal de vereadores.
A cessão do espaço de sessões
Em 2016, no seu último ano de gestão, o prefeito Pedro Ivo Ilkiv (PT) alegou que o município não possuía condições financeiras para reformar o imóvel que já apresentava sérios problemas estruturais e, principalmente, de manutenção.
Ilkiv enviou à Câmara o Projeto de Lei (18/2016) que o autorizava conceder o direito de uso do prédio para a faculdade Uniguaçu – que recuperaria imediatamente o prédio histórico para seus eventos e formaturas acadêmicas, contrapondo com a utilização dos espaço para eventos de interesse público. No entanto, essa intenção do prefeito foi alvo de muita pressão política tão logo chegou à casa de leis.
Ainda assim, em 9 de março de 2016, o prefeito Pedro Ivo Ilkiv (PT-PR) enviou novamente ao Poder Legislativo o Projeto de Lei 18/2016, para proceder a concessão real de direito de uso daquele imóvel para a iniciativa privada.
Dessa vez, o projeto de Lei chegou a ir para a votação, em 4 de abril de 2016, mas o vereador líder do governo na Câmara pediu sua retirada, depois que os demais vereadores tomaram conhecimento que a Uniuv, ao saber do projeto, manifestou interesse no Cine Luz.
De acordo com nota da própria Câmara de Vereadores, “a Uniuv manifestou interesse no Cine Teatro Luz, com a responsabilidade de recuperação e manutenção da infraestrutura com preservação e proteção do patrimônio histórico-cultural público”.
Ainda assim, a Uniguaçu reforçou seu interesse em assumir o prédio, mas a quebra-de-braço política culminou com a cessão, ainda em 2016, do Cine Luz à Uniuv.
“Pretendemos fazer a parte de restauração sem prejudicar o funcionamento, uma vez que ele já ficou um bom tempo fechado e a população precisa voltar a ter o Cine Luz aberto para seu uso”, informou o reitor em nota da própria instituição da qual, frisamos : “UNIUV já tem eventos programados para serem realizados no Cine Teatro Luz no próximo ano, como por exemplo as colações de grau dos cursos da instituição, além da comemoração do aniversário da universidade em 2017“ (sic).
Além de cláusulas norteando as responsabilidades de preservação e uso, o contrato entre prefeitura e Uniuv previa (ou prevê…) prazo para a devolução do prédio à comunidade. Prazo que expirou em 2018.
Ainda assim, a prefeitura de União da Vitória não “executou” o descumprimento contratual, oferecendo novos prazos na base do relacionamento interno mediante as justificativas da Uniuv de que o atraso (já em 2018) para o início das obras se dava pela rigidez no trâmite do projeto junto à coordenação de Patrimônio Cultural do Estado (CPC-PR)/Patrimônio Histórico do Paraná/ Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), uma vez que o prédio é tombado.
Reforçamos: o Cine Luz é tombado pelo patrimônio histórico.
Resolvida a questão, a Uniuv realizou em fevereiro de 2019, coletiva de imprensa para anunciar, enfim, a licitação para o início das obras, tomada de preços marcada para 11 de março de 2019. Deu deserta, que é quando nenhuma empresa comparece à licitação.
Então, novo edital foi lançado e, conforme ata da comissão de licitação em 8/5/2019, sobre Tomada de Preços nº2/2019, “constatou-se a inexistência de empresas participantes, sendo a licitação declarada deserta pela Comissão de Licitação, diante da falta de interesse de eventuais participantes”.
Se estava “abandonado”, parece pior
Alheio a todo esse moroso trâmite burocrático, o importante prédio do Cine Luz sofre as consequências naturais da situação precária que tonifica o próprio discurso da Uniuv quando do repasse: “O estado era de abandono, diversos fatores contribuíram para a degradação do patrimônio, mas as condições para o restauro são boas, com exceção do telhado”.
Pelo que se percebe ao olhar com mais atenção para o prédio, a situação hoje está ainda pior, com consequências físicas e sociais que vão além de União da Vitória pedir socorro ao Cine Ópera de Porto União (mantido pela iniciativa privada) para seus eventos de grandes plateias.
Por debaixo da porta de entrada do Cine Luz é possível ver jornais e demais papéis colocados por mensageiros envelhecendo em meio à poeira.