Chega de terrorismo
————-( * Eduardo Pizarro Carnelós)———
Ainda no dia 31 de outubro de 2022, dia seguinte ao do segundo turno da eleição presidencial, escrevi mensagem a um querido amigo, na qual eu dizia que era necessário que se prendessem algumas dezenas, talvez centenas, de desordeiros (inclusive fardados, ou membros de forças de segurança e militares) que se opunham ao resultado eleitoral com manifestações em que pregavam golpe de Estado, ainda que, como sói acontecer, dissessem que o faziam para proteger a “liberdade”. Eu então ainda anotei que as medidas haveriam de nascer de investigação regular, e decretadas por autoridade judiciária de primeira instância, para evitar que o Supremo Tribunal Federal e, especificamente, o ministro Alexandre de Moraes, fossem mantidos como alvos dos crápulas que não aceitam viver num Estado democrático de Direito. Nada disso, porém, ocorreu, e as poucas prisões foram decretadas pelo ministro Alexandre, sendo certo que algumas delas nem foram executadas…
Os bloqueios de estradas e vias urbanas continuaram, assim como surgiram os “acampamentos” em frente a instalações militares, sempre com o mesmo mote: a contestação do resultado eleitoral — curiosamente, só aquele para a Presidência da República, mas não os que elegeram governadores, senadores e deputados.
O então presidente da República, que já promovera uma criminosa campanha contra a credibilidade das urnas eletrônicas — obviamente, sem nunca apresentar nem sequer um único argumento que sustentasse suas covardes acusações —, recolheu-se a um gritante e doloso silêncio, por meio do qual estimulava a escória que o apoia a contestar o resultado eleitoral e a pedir intervenção militar.
Quando se cumpriu uma ordem de prisão contra um dos arruaceiros, vários “acampados” promoveram o caos na capital da República, inclusive com atos contra unidade da própria Polícia Federal.
Dias depois da posse do presidente democraticamente eleito, os acampamentos começaram a ser desmontados, mas eis que se noticiou nova mobilização de pessoas de várias partes do país, que, em ônibus financiados por criminosos que devem ser identificados e devidamente responsabilizados, dirigiam-se a Brasília, o que levou o ministro da Justiça a anunciar que a Força Nacional atuaria para impedir atos antidemocráticos.
Neste domingo, dia 8, porém, o que se viu foi o inacreditável: centenas de criminosos invadiram as sedes dos três Poderes da República, onde destruíram móveis, instalações, patrimônios públicos (inclusive muitos com valor cultural e histórico), sob a complacência — para não dizer participação, ainda que por omissão — de agentes encarregados de rechaçar os atos criminosos. Ninguém impediu que os ônibus que transportavam os criminosos chegassem a Brasília, nem se adotaram medidas de proteção aos alvos deles, especialmente o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, o que é incompreensível.
Usei a palavra terrorismo no título, mas é preciso dizer que, lamentavelmente, a Lei 13.260, de 16 de março de 2016, que define os crimes de terrorismo, não permite que os atos praticados por esses criminosos caracterizem aqueles crimes, porque o artigo 2º dispõe que, para tanto, os atos sejam praticados “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”, e nenhum desses motivos está na origem das condutas perpetradas pelos criminosos que atentaram contra o Estado democrático de Direito. Esse erro legislativo, diga-se, teve o patrocínio do PT, sob o pretexto de impedir que viessem as ser incriminados atos de movimentos sociais que sempre o apoiaram; hoje, essa opção pode ter o custo de ver os terroristas serem punidos de forma mais branda…
Sim, porque, se não se pode falar em crime de terrorismo, é inegável que os fatos abjetos a que assistimos constituem crimes, principalmente aqueles definidos nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal, com a redação dada pela Lei 14.197/21.
É fundamental que todos os que participaram dos atos criminosos, diretamente ou por omissão, ou apoio de qualquer natureza — especialmente o material, sem o qual os bandidos não chegariam à capital federal para os perpetrarem — sejam presos; em flagrante, aqueles que nessa condição se encontrarem, e preventivamente, para garantia da ordem pública, os que tiverem sua responsabilidade identificada por regular investigação. E que, respeitado o devido processo legal, sejam todos processados e, se comprovada a culpa, sejam condenados e cumpram severas penas, porque não há crime mais nocivo do que aquele praticado contra o Estado democrático de Direito. É que, sem este, não há ordenamento jurídico, nem segurança para ninguém. E os valentes que se jactaram nos vídeos feitos por eles próprios durante suas indecentes ações, mostrarão então que, ao contrário de valentes, não passam de covardes, que implorarão por perdão… Covarde, aliás, como é o seu líder, que preferiu incitar a turba fugindo para Orlando, para lá se refestelar na companhia doutro pateta, na Disney.
Que as autoridades e seus agentes que tiverem de qualquer forma tido participação nesses abomináveis atos — mesmo que por omissão — sejam também identificados e punidos. É o mínimo que podemos esperar, para que, doravante, nunca mais ninguém se atreva a aterrorizar a sociedade, nem a atentar contra as instituições democráticas.
Aos que não são petistas, nem apoiam o atual presidente (e sabem todos os que me conhecem que eu posso ser incluído nesse rol), faço uma conclamação: unamo-nos para defender a democracia, o que impõe que nós respeitemos o ordenamento jurídico e as instituições que são suas guardiãs!
O dia 8 de janeiro de 2023 haverá de entrar para a história como aquele em que o Brasil foi atacado por uma turba, que tentou encerrar o ciclo democrático que teve início em 1985, e que foi coroado em 1988, com a promulgação da Constituição chamada cidadã por Ulysses Guimarães.
Chega, basta de terrorismo!
(* Eduardo Pizarro Carnelós é advogado criminalista, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e do Conselho de Política Criminal).