Sentença confirma liminar que determina que a Lei da Mata Atlântica prevaleça em relação ao Código Florestal quanto o assunto é desmatamento
Com a decisão favorável ao MPSC e MPF em ação civil pública, IMA e IBAMA devem aplicar integralmente a legislação protetiva da Mata Atlântica. A sentença fixa prazo de 30 dias para seu cumprimento, com multa de R$ 500 mil em caso de desobediência à ordem judicial
O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e o Ministério Público Federal (MPF) obtiveram sentença judicial favorável para a aplicação integral da legislação protetiva da Mata Atlântica, impedindo interpretação equivocada por parte do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). A sentença confirmou decisão liminar concedida no curso da ação, em julho de 2020, e fixa prazo de 30 dias para seu cumprimento, com multa de R$ 500 mil em caso de desobediência à ordem judicial.
A ação foi ajuizada porque o Ministério do Meio Ambiente publicou, no dia 6 de abril, despacho que admitia a possibilidade de aplicar a consolidação de desmatamentos prevista no Código Florestal (Lei 12.651/2012) ao bioma Mata Atlântica, em detrimento da lei específica (Lei 11.428/2006). Posteriormente, o despacho foi revogado pelo próprio órgão emissor. No entanto, mesmo após a revogação, o IMA manifestou resistência à aplicação integral da Lei da Mata Atlântica quanto aos desmatamentos ilegais e o IBAMA manteve a sua atuação nos termos do despacho revogado, sustentando estar vinculado ao parecer da Advocacia-Geral da União que o fundamentou, o qual permaneceu válido mesmo após a revogação do despacho.
Com a confirmação da medida liminar, fica determinado que o IMA e o IBAMA não pratiquem qualquer ato com base no mesmo entendimento do despacho revogado, seja para rever punições e embargos anteriores, seja para deixar de aplicar sanções futuras. Da mesma forma, determina que não haja a promoção da homologação indevida de cadastros ambientais rurais pelo IMA, sem exigir a recuperação integral das áreas de preservação permanente e de reserva legal desmatadas ilegalmente, no mesmo local degradado, no que se refere às propriedades rurais inseridas no Bioma da Mata Atlântica.
O Promotor de Justiça Felipe Martins de Azevedo registrou que a sentença proferida, embora sujeita a recursos, representa um marco na retomada verde em Santa Catarina, servindo de precedente para as ações sobre o tema que tramitam nos outros Estados de abrangência do bioma. Neste sentido, afirmou a importância da preservação das múltiplas funções do bioma da Mata Atlântica, em favor das presentes e das futuras gerações, consistentes no fornecimento de água potável oriunda dos mananciais e na sua manutenção; no controle da estabilidade do solo, evitando o assoreamento dos rios, enchentes e o deslizamento de encostas e morros, o que poupa vidas e diversos outros prejuízos ambientais, econômicos e sociais; no controle térmico, de precipitações pluviométricas mais extremas, de elevação do nível do mar e de outros eventos catastróficos; no controle dos processos de desertificação; na preservação de locais de refúgio e de reprodução das espécies da fauna silvestre, inclusive avifauna migratória; na diminuição do desconforto do calor, na melhoria na qualidade do ar, na redução na velocidade dos ventos e na poluição sonora, no auxílio na retenção e escoamento de águas pluviais e na melhoria da estética urbana; na preservação do patrimônio paisagístico, no bem-estar físico e psíquico e no turismo; dentre outras.
“A decisão judicial obtida fortalece a proteção do principal bioma do Estado, um dos mais ameaçados do mundo: a Mata Atlântica. A preservação do que ainda resta do bioma é fundamental para assegurar qualidade de vida à população, sobretudo nas cidades”, destacou Luciana Cardoso Pilati Polli, Promotora de Justiça e Coordenadora do CME.
A decisão é fruto de uma ação conjugada pelo Ministério Público nos 17 estados que possuem o bioma Mata Atlântica. O bioma abrange cerca de 15% do território nacional e é composto por mais de 20 mil espécies vegetais, que perfazem 35% das espécies existentes no País.
Entenda o caso
O Ministério do Meio Ambiente publicou, no dia 6 de abril, despacho que admitia a possibilidade de aplicar a consolidação de desmatamentos prevista no Código Florestal (Lei 12.651/2012) ao Bioma Mata Atlântica, em detrimento da lei específica (Lei 11.428/2006). Posteriormente, o despacho foi revogado pelo próprio órgão emissor.
O ajuizamento da ação em Santa Catarina, assinada pelo Promotor de Justiça Felipe Martins de Azevedo, da 22ª Promotoria de Justiça da Capital, e pela Procuradora da República Analúcia de Andrade Hartmann, ocorreu após o IMA e o Ibama, mesmo com a revogação do despacho, não terem acatado recomendações que lhes foram dirigidas pelo Ministério Público pela prevalência da Lei da Mata Atlântica, mais restritiva que o Código Florestal, em seus atos fiscalizatórios.
Apesar de o Ministério do Meio Ambiente ter revogado o despacho, a ação civil pública se fez necessária uma vez que, mesmo após terem sido provocados pelo Ministério Público, o IMA e o IBAMA não se comprometeram a manter a aplicação integral da legislação protetiva da Mata Atlântica, o que afastaria o risco de uma possível revisão de atos administrativos – como a suspensão de multas e embargos – com base na orientação jurídica considerada ilegal pelo Ministério Público.
Além disso, durante a vigência do despacho no âmbito federal, produtores rurais não puderam ser multados com base na Lei da Mata Atlântica, e aqueles que já haviam sido multados puderam pedir a anulação de autos de infração ambiental, de termos de embargos e interdição e de termos de apreensão, todos emitidos em virtude de ocupações indevidas de áreas de preservação permanente ou de reserva legal, com atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural.
Os autores da ação ressaltam a clara especialidade da Lei da Mata Atlântica, que possui abrangência apenas em relação a este bioma (13% do território nacional), o qual possui razões concretas para a aplicação de um regime especial. Diferentemente do Código Florestal, de caráter mais geral e permissivo, a Lei da Mata Atlântica possui cunho mais protetivo e não permite a consolidação de supressão clandestina e não autorizada de vegetação nativa ou o perdão por essa prática ilícita.
Para o Ministério Público, a utilização dos parâmetros do Código Florestal em área de Mata Atlântica aniquila significativa parcela da proteção de vegetação nativa do bioma no Estado de Santa Catarina, ocasionando uma fragilização ainda maior da segurança hídrica, em tempos de mudanças climáticas e de notórios, recorrentes e cada vez mais intensos episódios de escassez hídrica e de racionamento do fornecimento de água potável.