Deputado federal pode pedir R$ 135 mil de reembolso de saúde
Em pleno auge da pandemia, Arthur Lira cita “inflação médica” e aumenta em 170% limite para ressarcimento de gastos médicos. “Eles vivem na ilha da fantasia, usam os melhores hospitais do país e apresentam as notas fiscais para o contribuinte pagar”
Em meio à fase mais aguda da pandemia e da penúria que cresce no país, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), assinou um aumento de despesas urgentes nesta segunda-feira, publicado em edição extra do diário oficial da Câmara e válido desde então. Não tinha nada a ver com melhorar o valor do auxílio-emergencial para socorrer 40 milhões brasileiros que estão entre a fome a pandemia, frequentemente vítimas das duas, e que está suspenso desde o início de janeiro e que só volta a ser pago na semana que vem, com um valor médio aprovado pelo Congresso de 250 reais.
Nem com alguma atitude para ajudar a socorrer as pessoas que morrem diariamente nas filas por um leito de UTI ou internação país afora. Tampouco tratava-se do Orçamento da União, uma peça de ficção que prevê um rombo de 251 bilhões aprovado na semana passada no Congresso Nacional que não prevê fonte para dezenas de bilhões de reais em gastos já certos e que precisa ser refeito. Zeloso com a saúde dos colegas parlamentares, o que Lira assinou foi um foi um reajuste de 170% no limite do valor do reembolso a que os deputados federais têm direito por despesas médicas.
O valor, que passou de 50 mil para 135,4 mil reais por despesa, refere-se a gastos por fora do plano de saúde de primeira linha com cobertura nacional provido pela Câmara a que os deputados e seus familiares tem direito, o Pró-Saúde. O custo é subsidiado e fica em 630 reais por mês com coparticipação de 25% por gasto, também reembolsáveis. Fora isso também existe o Departamento Médico da Câmara, com médicos e profissionais de saúde para consultas gerais e emergências, exames e até pequenos procedimentos cirúrgicos, sem custo. Segundo o texto assinado por Lira, o valor anterior foi definido em 2015 e estava defasado. A Mesa Diretora da Câmara se baseou na Variação de Custo Médico-Hospitalar, a chamada “inflação médica”, para estabelecer o reajuste.
“Nos últimos anos, a chamada ‘inflação médica’ tem superado o índice oficial de inflação: Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O fenômeno, inclusive, não tem se restringido ao Brasil”, diz o documento. “É de amplo conhecimento que a Medicina tem avançado cada vez mais, principalmente com o uso das tecnologias modernas, o que tem pressionado os custos para cima. Some-se a isso a maior demanda do público pelo acesso a serviços de saúde e o envelhecimento da população, tudo contribuindo para a elevação dos custos com saúde.”
“Os nossos parlamentares vivem na ilha da fantasia, não sabem pelo que passa o cidadão que precisa de um serviço público de saúde porque usam os melhores hospitais do país e apresentam as notas fiscais para o contribuinte pagar”, afirma Gil Castelo Branco, fundador e secretário-geral da associação Contas Abertas, dedicada à análise das contas públicas. Ele chama atenção para o fato de que desde antes desse aumento o texto que regra a concessão do benefício aos deputados pela Câmara, alterado nesta semana, não coloca limite sobre a quantidade de reembolsos com valor de até 135.400 que cada deputado pode pedir. “Ninguém sabe se esse valor é por mês, por ano, por nota fiscal ou vai caso a caso?”
De acordo com a regra criada em 2013 e atualizada por Lira nessa semana, o limite refere-se a cada despesa médica devidamente justificada e comprovada e inclui gastos no exterior. Não há nenhuma referência ao número de despesas médicas que pode ser solicitada. Segundo o presidente da Câmara, o valor que exceder o limite estabelecido de R$ 135.400 ainda poderá ser pago, mas depende de avaliação da Mesa Diretora, assim como já ocorria antes. Ainda de acordo com o presidente da Câmara, o novo limite implicará em um “descongestionamento” das reuniões da Mesa Diretora, porque haverá um menor número de processos sujeitos à deliberação, uma vez que o próprio segundo vice-presidente poderá tomar mais decisões. Familiares dos parlamentares não possuem direito ao reembolso direto, apenas ao plano de saúde oferecido pela Casa.
O reajuste acontece enquanto o país enfrenta o pior momento da pandemia de covid-19 desde a chegada do novo coronavírus ao Brasil. Com os hospitais superlotados, milhares de pessoas aguardam em filas um leito de UTI ou internação sem conseguir receber os cuidados médicos adequados nas principais cidades do país. Na quarta-feira (31), o número de mortes causadas pela Covid-19 chegou a 321.886 com o novo recorde diário de 3.869 óbitos registrados em apenas 24 horas. (Fábio Campana).