As lições da segunda onda de Covid-19 para os países que ainda não saíram (como o Brasil) da primeira

Para os especialistas da Organização Pan-americana de Saúde (Opas), a principal lição da segunda onda de casos de covid-19 na Europa é mais do que óbvia.

“Não devemos baixar a guarda”, afirma à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) o diretor do departamento de doenças transmissíveis da entidade, Marcos Espinal.“Na Europa, com a chegada do verão e a queda do número de casos, as medidas de combate foram relaxadas”, o que explica em sua avaliação o avanço brutal do coronavírus que se sucedeu no continente europeu.Agora, com as taxas de infecção em patamares mais baixos na Argentina e em diversos países da América do Sul e a aproximação das festas de fim de ano e do verão, não deve ser subestimado o risco da região repetir a trajetória europeia.

E o principal agravante é que os países sul-americanos ainda não superaram a primeira onda da pandemia, que já matou mais de 310 mil pessoas na região (pouco mais da metade no Brasil).

“Essa menção a ondas se refere à curva epidêmica de uma doença”, disse o médico brasileiro Jarbas Barbosa, diretor da Opas, que é o braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para América Latina e Caribe.

“E na Europa houve nitidamente uma primeira onda porque o número de casos cresceu rapidamente, em seguida foram adotadas medidas de contenção que levaram a uma diminuição das infecções. Durante alguns meses quase não houve casos. Mas logo a economia se reabriu, o verão chegou, viagens etc., voltou a crescer o contágio e por isso se fala em segunda onda”, explicou.

Mas na América Latina a situação é diferente.

Ainda que o número de casos tenha caído bastante em diversas localidades da região, incluindo o Brasil, Barbosa avalia que nenhuma delas conseguiu em algum momento controlar de fato a transmissão do coronavírus como alguns países europeus.

“Quando olhamos para a média dos países, é como se estivessem em uma primeira onda bem extensa que nunca acabou.”

Sem tempo a perder

Para Barbosa, porém, uma lição aprendida é que “em qualquer parte do mundo onde o vírus esteja presente, se as condições facilitarem a transmissão, ela aumentará e teremos mais casos e mais mortes”.

Paciente internado na UTI do hospital Albert Einstein, em São Paulo

Paciente internado na UTI do hospital Albert Einstein, em São Paulo


E por isso, uma das recomendações da Opas é não olhar apenas para as médias nacionais de casos, “mas para o que está acontecendo em cada Estado, província ou município”, atuar rapidamente em nível local quando estiver claro que o vírus está crescendo ali, algo com o qual o professor Paul Hunter, especialista britânico em coronavírus, concorda.

“Se olharmos os dados disponíveis, fica claro que o mais eficaz e menos prejudicial provavelmente seria um sistema de restrições territoriais diferenciadas”, disse Hunter, da Universidade de East Anglia, à BBC News Mundo.

Embora para ele uma lição muito mais óbvia da segunda onda europeia seja a de que não é preciso esperar até a água bater no pescoço para tomar qualquer medida.

“Os casos aumentam muito mais rápido do que diminuem depois que as medidas são tomadas. Por exemplo, se considerarmos as taxas de internações (no Reino Unido), elas basicamente se multiplicaram por seis a cada duas semanas até o início de abril e depois levaram cinquenta dias para voltarem ao patamar inicial”, explica Hunter.

“Então, se você disser ‘Acho que vou esperar uma semana antes de implementar algo’, o resultado é que as pessoas terão que ficar confinadas por mais quatro semanas para compensar esse atraso.”

Combine medidas de combate

Hunter também está ciente da necessidade, e da dificuldade, de sustentar esse tipo de medidas.

“Outra lição é que você tem que tentar manter o apoio da sociedade. Na Europa, temos visto manifestações com cada vez mais pessoas se opondo às medidas”, lembrou o médico britânico. “E para isso é preciso ser mais transparente com o que está acontecendo.”

A dificuldade de manter confinamentos rígidos, por sua vez, também é reconhecida pela Opas, que sempre insistiu que estes deveriam ser vistos como uma das várias ferramentas disponíveis para tentar lidar com a pandemia.

“É preciso equilibrar os aspectos econômico, social e de saúde pública”, diz Espinal, da Opas. “Mas as medidas de mitigação devem ser mantidas, porque ainda não temos a vacina.”

Ele cita programas educativos para o uso correto de máscaras, medidas de distanciamento social, rastreamento de quem teve contato com alguém infectado, entre outras ações.

Mas no fim, para o professor da Universidade de East Anglia, Paul Hunter, a simples constatação de que nenhum país da Europa escapou da segunda onda e que países asiáticos estão sofrendo com uma terceira sugere que talvez a grande lição para a América Latina seja a de que uma segunda onda é simplesmente inevitável.

Isso não significa, porém, que se deva baixar a guarda por isso. Muito pelo contrário.

“Adotar todas essas medidas vai nos ajudar porque elas funcionam”, conclui Espinal, da Opas.

E a segunda onda no Brasil?

De acordo com análise feita pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o número de pacientes internados com doenças respiratórias graves cresce em regiões de 15 Estados brasileiros, incluindo 10 capitais.

Há relatos e dados oficiais de hospitais públicos e privados lotados em diversas regiões do país, a exemplo de São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Rio de Janeiro e São Luís.

Além disso, pesquisadores apontam que a taxa de contágio da covid-19 está acima de 1 em pelo menos 20 Estados do país. Quando esse índice (Rt) está acima de 1, significa que a doença não está sob controle e ela vai continuar avançando.

De acordo com o Observatório de Síndromes Respiratórias da Universidade Federal da Paraíba, a taxa de contágio está nesse patamar em 20 Estados (Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins) e no Distrito Federal.

Até agora, o Ministério da Saúde brasileiro registrou a morte de 167 mil pessoas por covid-19. Mas especialistas da Fiocruz apontam que morreram neste ano ao menos 220 mil pessoas de doenças respiratórias graves (basicamente por covid-19). No ano passado, foram 5.324. (BBC NEWS BRASIL).

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