Colóquio, Um Dedo de Prosa

———–(Profa. Marilucia Flenik, Dra.- Ocupante da Cadeira 17 da Academia de Letras do Vale do Iguaçu – ALVI)———-

Ser lançado no mundo, ou simplesmente, “estar aí”. Quem é essa criatura?

         A bíblia registra no livro da Sabedoria: “Também eu por certo sou homem mortal, igual a todos os outros, e da descendência daquele primeiro que da terra foi plasmado, e no ventre da minha mãe fui formado carne. E tendo nascido, respirei o ar comum, e caí, igualmente, sobre a mesma terra, e soltei a primeira voz, como todos, chorando. Envolto em faixas fui criado, e com grande cuidado.” (Bíblia, Sabedoria, cap. 7, 1-4)        

Ser parte da natureza, “estar aí” como integrante do cosmos, partícipe da mesma energia que governa o mundo e o faz pulsar.         

A civilização ocidental quis se libertar da teologia e apostou todas as sua fichas na ciência. Descartes definira o homem como o ser que pensa: cogito ergo sum. O período que chamamos de “modernidade”elevou a criatura humana ao ser racional que domina o conhecimento e submete a natureza.

Somente em 1922 Martin Heideger escreveu “Ser e Tempo” e retomou essa visão antiga, já trazida pela Bíblia. À principal pergunta da filosofia, – quem sou eu? – ele responde: “o homem é uma criatura lançada no mundo, um “estar aí” – o dasein -, que ao existir constrói a sua vida e, portanto, busca a sua realização como pessoa.

O existencialismo encontrará em Jean Paul Sartre importantes desdobramentos, cuja principal faceta é a proclamação da liberdade. Porém esse “viver” sem ancoradouros conduz à náusea e ao desespero.

Para o caminhar da humanidade o período de uma vida individual é um instante. Porém esse vivente, uma vez chegado ao mundo, quer uma vida feliz. Como trabalhar este impulso para a felicidade e ao mesmo tempo arcar com os acontecimentos que cercam e limitam a pessoa humana?

Nós ocidentais temos muito que aprender retornando aos textos antigos que nos trazem a sabedoria. A confiança cega na ciência conduz a uma sociedade de pessoas alienadas, que buscam corresponder às expectativas da sociedade de consumidores, que encontram a sua disposição uma parafernália de bens, equipamentos, brinquedos. Mas “eu”, onde estou? Quem “eu” sou? Como enfrentar as vicissitudes da vida sem desesperar? Como me posicionar perante as novas gerações? Quais valores são importantes? Como transitar nesse mundo virtual com excesso de informações?

Não resta dúvida que a filosofia, que ficou relegada a um segundo plano diante das ciências, tem mais do que nunca um importante papel. Entre a ciência e a teologia, eis o campo da filosofia. Somente ela poderá ajudar a desenvolver uma postura crítica dodasein, dessa criatura que foi lançada no mundo que a influencia. Porém esse “eu” também é parte do mundo e lança seu fio na grande trama do mundo.

Uma vida sem indagações não merecer ser vivida. Novamente com Heidegger, enquanto o dasein estiver envolvido no “falatório”, no já sabido, ele vive uma vida inautêntica, repetindo padrões comportamentais. Somente quando se depara com a morte, ou seja, perquire o que é a sua vida, o ente passa a “ser”. Diante da possibilidade do fim da existência, cada um se questiona pelo que vale a pena viver. Melhor pensar enquanto se é jovem e tomar decisões apropriadas para o bem viver, do que esperar a velhice e então apenas lamentar aquilo que poderia ter feito e não fez. Navegar é preciso. Viver é uma aventura e tanto. Dá-nos, Senhor,a sabedoria.

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