Senador Alvaro Dias (Podemos/PR), em entrevista ao jornal Zero Hora de Porto Alegre, fala do Governo de Jair Bolsonaro
Alvaro Dias concorreu à Presidência, em 2018, defendendo o combate à corrupção. Prometeu “refundar a República” por meio de uma reforma política. Embora tenha ficado em nono lugar, com 0,8% dos votos válidos, diz que suas propostas foram aceitas, mas sustenta que a população preferiu ir ainda mais à direita, escolhendo Jair Bolsonaro. Ele mesmo apoiou, no 2º turno, o candidato do PSL e, apesar de manter a confiança no governo, critica a continuidade do tom bélico da campanha. Aos 74 anos, o senador em terceiro mandato abre a série de entrevistas de GaúchaZH com ex-candidatos à Presidência feitas para analisar os seis meses da gestão Bolsonaro.
Estamos aguardando um projeto de nação, o que é essencial para um país em crise, com as contas públicas desarrumadas, desemprego crescente, dívida pública aumentando, economia paralisada, indicadores econômicos negativos. Neste momento, se exige criatividade, ousadia e decisão, o que implica buscar um projeto de nação com o apoio da sociedade e do Congresso.
O governo não está sendo criativo e ousado?
Não, mas há a necessidade disso. Sem providências criativas e ousadas não retiraremos o país do fundo do poço. É evidente que a crise não é responsabilidade do atual governo. Mas também não é possível ficar o tempo todo condenando o PT, já demitido nas urnas. É preciso buscar soluções para os problemas mais emergentes e aflitivos que estão assustando a maioria dos brasileiros. O governo só colocou como milagre a reforma da Previdência, sem outro projeto que possa estimular a economia. A reforma tributária, por exemplo. É necessário restabelecer a importância do Legislativo no processo de construção. O que se vê são ataques, como se o parlamento fosse o obstáculo. Buscam-se pretextos para responsabilizar os parlamentares por eventuais fracassos.
É possível fazer articulação no parlamento sem cair em ilegalidade e, inclusive, abrir espaços no governo para eventuais indicações políticas?
Não há necessidade. Combato esse apadrinhamento, o toma lá dá cá. O presidente tem condições de valorizar o Legislativo com uma relação republicana que estimule parlamentares a apoiarem o governo pela qualidade das propostas e a partilha de resultados. O parlamentar vai se sentir prestigiado e valorizado se o presidente chegar a seu Estado com um empreendimento que beneficie a população e dizer: “Aqui está o responsável por isso.”
O senhor propôs a refundação da República durante sua campanha. Há sinais do atual governo nessa direção?
Gostaria de dizer que estamos refundando a República, mas não posso afirmar. O divórcio continua instalado entre a cúpula dominante e a sociedade. A refundação passa por reformas fundamentais, e a matriz de todas elas seria a reforma política, da qual não se fala por ora.
O governo deveria chamar a oposição para conversar?
Não vejo necessidade. Basta o governo conversar com aqueles que estão dispostos a contribuir com o projeto de mudança. Por exemplo, o nosso partido, o Podemos, que não cogita colocar obstáculos se a tarefa for da mudança. Se o governo comparece com um projeto de nação, nos terá como aliados. Estamos aguardando. Somos independentes, um partido custo zero para o governo.
Qual é a reforma mais importante?
A matriz de todas as reformas é a política. Neste momento, a mais importante é a tributária. Quando o governo tenta argumentar que a reforma da Previdência significará economia de R$ 1 trilhão, comunica mal a proposta. Ao brasileiro, interessa é saber o que ganhará com a reforma. O governo tem dito que quem ganha é o governo. Esse discurso não encanta a população. O governo tem de discutir outras questões, como a política de desonerações. Neste ano, são R$ 310 bilhões. A indagação que é preciso fazer é se as desonerações beneficiam os consumidores.
A reforma da Previdência deve incluir Estados e municípios?
Sim. Não se faz pela metade. Estados e municípios terão dificuldades maiores de chegar a uma reforma eficiente se o conjunto da sociedade não se envolver em um projeto macro que sai da União.
Quem promoveu reformas nos anos 1990 conteve os gastos públicos, implantou sistema de austeridade e plantou para o futuro. Quem não fez a lição de casa, passou a assistir ao Estado aprofundar-se na crise a cada gestão. É preciso adotar providências rigorosas em relação ao sistema federativo, estabelecer um pacto que promova justiça distributiva, mas todos os entes federados têm de caminhar com as próprias pernas.
O senhor foi o primeiro a dizer que convidaria o então juiz Sergio Moro para o ministério. Manteria o convite?
Sem dúvida. Tem sido um sustentáculo popular do governo Bolsonaro. Ficou estigmatizado como ícone da Operação Lava-Jato e trouxe todo o apoio popular para sua ação no governo.
Bolsonaro mantém o discurso de campanha?
Vejo um palanque em todos os movimentos, uma pauta que dá ênfase à questão dos costumes, à pauta conservadora. É sempre utilizada para preservar um confronto entre os extremos, que me parece uma estratégia preconcebida para preservar-se no poder. Não podemos colocar em plano secundário as pautas econômica e social. O aprofundamento da crise é visível. As desigualdades sociais aumentam, estamos sendo sufocados por uma política que atende ao interesse do sistema financeiro, mas maltrata a população empreendedora e trabalhadora.
Como vê a articulação para um pacto entre os poderes?
O Supremo Tribunal Federal (STF), em cinco anos, condenou uma única autoridade (o então deputado Nelson Meurer, PP-PR), enquanto na 1ª instância tivemos 285 condenações. O Supremo, pelo menos na Justiça Criminal, não funciona. Temos pedidos de impeachment (de ministros do STF), um requerimento que pede a CPI da Lava-Toga. Com que autoridade o presidente do STF propõe um pacto? Não é papel do Judiciário.
O senhor é favorável à flexibilização das armas?
Em relação ao porte, é preciso cuidado. A regulação tem de ser competente e rigorosa. O que justifica a liberalidade de distribuir armas para todos os políticos do país, jornalistas, advogados? Vamos elaborar um projeto que assegure o direito à legítima defesa com o porte de armas, mas estabelecendo critérios competentes. Essa matéria não é para decreto. Não é competência exclusiva do presidente. Muitas pessoas estão sendo iludidas, entendendo que deveríamos aprovar tudo (o que vem do Planalto), mas fizemos juramento de respeitar a Constituição.
Não podemos responsabilizar o ministério (da Justiça e Segurança Pública). Além das alterações no campo administrativo, retirando qualquer influência de natureza política em sua composição, há a formulação do projeto que endurece a legislação com o pacote anticrime. A Câmara priorizou a Previdência, mas no meu entendimento poderia tratar das duas matérias concomitantemente.
O senhor apoia a reeleição?
Não. Acho que o instituto da reeleição está condenado pela experiência vivida. Quando o país atingir a maturidade política de nações mais avançadas, quem sabe possamos voltar a discutir. Hoje, comprovadamente, é negativo, já que as práticas administrativas adotadas nem sempre levam em conta as prioridades da sociedade, e, sim, as prioridades do projeto eleitoral.
O senhor pretende concorrer à Presidência em 2022?
É muito cedo. A realidade social é dinâmica. Se, eventualmente, o partido decidir que o projeto é ter candidato, e que eu possa ser esse instrumento, não fugirei ao enfrentamento.