Direitos fundamentais em debate em Congresso Luso-Brasileiro 2019 no Ministério Público de Santa Catarina
O Professor Doutor David Duarte, do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, destacou na abertura do Congresso Luso-brasileiro 2019 sobre os Direitos Fundamentais, nesta quinta-feira (6/6), a importância do intercâmbio entre os juristas brasileiros e portugueses.
“O Brasil é um país enorme, com uma imensa produção científica e uma jurisprudência em todos os níveis da atividade dos tribunais riquíssima. Aliás, basta olhar para o STF e ver a enorme quantidade de casos paradigmáticos que nos fornecem pistas valiosas para pensar o direito e confrontar com os casos reais de vida. Por isso, não há qualquer dúvida sobre o muito que os juristas portugueses têm a aprender com os brasileiros”, afirmou.
O evento, que ocorre na sede do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), em Florianópolis, é resultado de uma parceria do MPSC com o Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, formalizada no ano passado durante evento em Portugal. O evento segue nesta sexta-feira 7/6.
O Procurador-Geral de Justiça, Fernando da Silva Comin, ressaltou, na abertura do evento, que “este protocolo com a Universidade de Lisboa que nos une foi possível graças à visão do ex-PGJ Sandro José Neis, que incentivou o projeto e hoje permite que membros do Ministério Público realizem seus cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Lisboa.”
O chefe do MPSC afirmou, ainda, que o Congresso é “um momento importante para amadurecimento e compreensão de qual é o sentido dos direitos fundamentais no nosso momento atual e na nossa sociedade. Essa é a contribuição que o MPSC faz à comunidade jurídica e à sociedade catarinense”, finalizou.
Na primeira palestra do Congresso, o Professor Doutor Daniel Mendonca falou sobre conflitos e ponderações dos direitos. Utilizando exemplos reais, o professor demonstrou que podem existir conflitos entre os próprios direitos fundamentais, como acontece em situações que envolvem o direito à liberdade de expressão. Para ilustrar o assunto, Mendonca abordou a teoria filosófica do conflito moral, em que um direito deixa de existir para que outro prevaleça.
“Na Inglaterra, irmãs gêmeas siamesas nasceram com os corpos grudados. Por orientação médica, era necessário que elas fossem separadas para que ao menos uma delas sobrevivesse. Caso permanecessem juntas, a probabilidade indicava para a morte de ambas. À época, os pais e a igreja católica defendiam a permanência das irmãs unidas, para que pudessem “morrer em paz”. Por outro lado, a Alta Corte Inglesa determinou a separação. Hoje, uma das irmãs ainda está viva”, contou.
Mendonca explicou, ainda, que “cada pessoa possui seus direitos, mas, em alguns casos, o conflito moral faz com que o direito de um prevaleça em relação ao direito de outro. As decisões tomadas a partir disso devem ser feitas por meio da ponderação dos direitos”, disse.
O Professor da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Nova de Lisboa Giovanni Damele falou sobre “Direitos fundamentais, paradigma constitucional e doutrina pura do Direito”. Ele apresentou uma análise entre teoria pura de direito de Hans Kelsen e as críticas do jurista italiano Luigi Ferrajoli. “O que eu apresentei foi uma reflexão em que devemos levar em consideração algumas críticas de Ferrajoli e defender a tese de que essas críticas não apontam contradições internas da teoria pura de direito de Kelsen, mas apontam basicamente as diferenças de avaliação entre dois autores”.
A palestra da tarde teve como tema “Controle de constitucionalidade e o mito da inércia jurisdicional”, com o pesquisador do Centro de Justiça e Sociedade da FGV-RJ Thomaz Pereira, que falou sobre a inércia como uma garantia contra o exercício arbitrário do poder judicial. “A inércia jurisdicional pode ser compreendida em dois sentidos: o primeiro é de que o tribunal não deve se manifestar a não ser quando for provocado; e o segundo é que, ao ser provocado, ele deve necessariamente decidir sobre o que lhe é pedido”, explicou.
Pereira afirmou, porém, que vemos que o primeiro sentido é amplamente diminuído não só pela amplitude legal do nosso sistema, que permite ampla provocação do tribunal, como também por teses ampliativas que aumentam essa legitimidade para além do que o próprio legislador estabeleceu. “Já o segundo é erodido porque o controle de pautas é profundamente afetado pelos poderes do relator, do presidente e de ministros. Com isso, o tribunal pode decidir sobre qualquer tema; e pode escolher decidir ou não a qualquer momento”, complementou.
Para ele, a inércia é um pilar importante da legitimação política do tribunal e que está profundamente relacionada com a imparcialidade diante do caso. “Quando juízes e tribunais escolhem o que e como decidir, passam a ser percebidos como parciais. A perda da percepção de imparcialidade pode significar a perda da capacidade de decidir sobre temas polêmicos, que polarizam a sociedade, e, portanto, a perda da capacidade de garantir a efetividade dos direitos fundamentais.”
Fechando o primeiro dia do evento, o Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Pedro Moniz Lopes falou sobre as implicações das escolhas interpretativas e incertezas linguísticas na área constitucional. Em sua palestra “A ponderação constitucional realista: pressuposições teóricas na interpretação de conceitos constitucionais e o problema da dimensão epistêmica na ponderação”, o professor também destacou quatro formas de ativismo judicial: “Considerar como premissa maior apenas uma entre várias normas aplicáveis; chegar a conclusões que não seguem premissas ou que se apoiam em premissas maiores irreais ou não existentes, frutos do bom senso ou de estereótipos, por exemplo; ultrapassar o significado convencional das palavras, utilizando técnicas interpretativas doutrinárias; e ponderar entre várias normas conflitantes em um cenário de certeza epistêmica média ou baixa”, explicou.
O Congresso Luso-brasileiro, que é organizado pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF), segue nesta sexta-feira com a conferência do Procurador de Justiça catarinense Paulo de Tarso Brandão sobre “Normas de Direitos Fundamentais e Realidade: construções e desconstruções”, e finaliza com uma mesa redonda sobre requisitos e métodos da ponderação. (MPSC).