Censura é crime. Tá na Constituição, viu, STF?

* Paulo José Cunha

O atual governo tem uma capacidade tão grande de produzir bobagens que é praticamente impossível acompanhar o que acontece. Quando a gente pensa em abordar um tema cabeludo, outro, mais peludo ainda, já tomou conta do pedaço. Na semana passada aconteceu precisamente isso, o que me obrigou a pedir aos leitores que verificassem toda hora se o ministro Vélez ainda era ministro. Quando chegaram ao final do texto, Vélez já tinha rodado e Inez tinha morrido três vezes.

Diante do feriadão, estou escrevendo a coluna com muita antecedência. Pra não sair já superada, espero que a estátua da Justiça em frente ao Supremo ainda não tenha sido demolida, Dias Toffoli continue presidindo a corte Suprema, Alexandre de Moraes permaneça ministro e Raquel Dodge ainda esteja à frente da PGR.

Mas nunca de sabe…

Em pouquíssimo espaço de tempo, o Supremo Tribunal Federal  copiou o método de fazer besteiras do governo e fez uma catadupa (sim, a palavra existe, meninos) de bobagens. A primeira, que deu origem às demais, foi pilotada pelo Ministro-presidente Dias Toffoli, ao abrir um inquérito no próprio STF para “apurar ataques e fakenews”. Como se o Supremo fosse delegacia de polícia, e não é. Até eu, que nunca li um livro de direito, sei que quem investiga não julga e quem julga não investiga, pois são duas atribuições específicas e excludentes. Mas Sua Excelência botou a tropa na rua e nomeou – nomeou – um ministro pra conduzir a investigação, quando o certo era ter feito um sorteio. Esse ministro, Alexandre de Moraes, com base no inquérito desastrado aberto por Toffoli, decidiu censurar uma reportagem jornalística e multar o órgão de imprensa que a publicou. Tudo porque a reportagem copiou o conteúdo de uma delação premiada. Nela, o ex-presidente da Odebrecht revelou que o codinome “amigo do amigo de meu pai” que aparecia em documentos que podiam ter algo a ver com a corrupção deslavada cometida pela empresa, seria uma referência ao presidente do STF, Dias Toffoli. Ou seja, a revista Crusoé não inventou nada: transcreveu um depoimento real. Não tem nada de fakenews. Não errou nem nesse aspecto.

Recorrer a quem? Ao papa Francisco?

Ora, se a censura em si já é altamente condenável, o ato se torna mais reprovável porque o censor, neste caso, foi apenas a mais alta corte do país. A quem a revista vai poder recorrer agora contra a censura e a multa de R$ 100 mil.

Mas há uma constatação que até agora não foi feita: em tempos cibernéticos e de alta taxa de conexão, a censura, além de crime, é absolutamente inócua. Já começou a não valer nada desde a popularização da xerox, na década de 70. Se alguém proibia algum texto era só xerocá-lo e passar pra frente. Atualmente, nem precisa mais de cópia. No caso de uma revista eletrônica como a Crusoé, o que ela publica se torna eterno. Nem ela tem poder pra mandar parar de circular na internet uma reportagem como a que foi censurada. A internet eternizou… tudo. Caiu na rede (mundial de computadores) é peixe. Censura, ó, bye, bye.

Nunca um texto foi tão feicibucado

Pior: ninguém avisou ao STF que censura é crime previsto na Constituição, aquele livrinho que o próprio Tribunal tem por obrigação proteger. E o pior do pior: ao aplicar a censura, o STF deu um tiro no pé. Pois promoveu foi uma divulgação sem precedentes no texto censurado, que ganhou mídia espontânea e foi copiado, feicibucado, uotisapado e tuitado milhares, milhões, zilhões de vezes. E a revista Crusoé, pouco conhecida até então, agora está na boca do povo. Pensando aqui com meu botão esquerdo: se a Crusoé pensava em lançar uma campanha de divulgação para sua marca, 100 mil reais não dariam nem pra pagar uma inserção de 30 segundos num daqueles filmes que passam de madrugada. Pensando aqui com meu botão direito: aposto que nem mesmo os 100 mil a Crusoé vai desembolsar. Quer valer quanto como não vai?

Recuo

Pois não deu outra: meu texto nem havia sido publicado e o ministro Alexandre de Moraes, na tarde de quinta-feira, voltou atrás e revogou a censura ao site Crusoé e ao blog O Antagonista. O argumento foi o mais furado possível: o de que a medida que havia tomado era apenas uma cautelar que deixou de se justificar depois que alguns documentos foram encaminhados ao tribunal. Bobagem.

O que prevaleceu foi, em palavras de botequim, que o ministro percebeu a besteira que havia feito, e saiu correndo atrás do prejuízo antes da desmoralização que o pleno do tribunal lhe iria impor, pois já havia se formado maioria para revogar a violência da censura que tentou impor.

De uma forma ou de outra, venceram a democracia e o estado de direito. Clap, clap, clap. Ah. Quem topou a aposta está me devendo. Nem o site nem o blog vão pagar coisa alguma de multa. Depois eu passo minha conta para quem preferir depositar o pagamento. Aposta é aposta. (* Paulo José Cunha, jornalista, professor e escritor/Agência Brasil).

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