Homenagens aos 100 anos de Salim Miguel, o decano da literatura catarinense
Considerado o decano da literatura catarinense, faria 100 anos neste dia 30 de janeiro. Para marcar a data, a família e várias instituições do Estado e do país elaboraram uma programação que vai se estender até o segundo semestre de 2024, incluindo seminários, mesas redondas, palestras, reedição de livros e a adaptação teatral de seu romance “Nur na escuridão”. O pontapé inicial será dado hoje, às 11h, na Editora da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), em Florianópolis, com o descerramento de uma placa comemorativa.
Salim foi diretor executivo da EdUFSC entre 1983 e 1991, após voltar do Rio de Janeiro, para onde se mudara em 1964.A programação é coordenada pela SeCArte (Secretaria de Cultura, Arte e Esporte da UFSC) e envolve a Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina), a ABL (Academia Brasileira de Letras), a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a UnB (Universidade de Brasília), a ALB (Academia Líbano-Brasileira de Letras, Artes e Ciências) e o Sesc Nova Friburgo (RJ). Alguns eventos planejados ainda aguardam confirmação, por isso a agenda será revisada e atualizada ao longo dos próximos meses.
LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO DE SALIM MIGUEL
A programação de hoje prevê também o lançamento da publicação eletrônica “Levantamento bibliográfico: Salim Miguel”, que reúne as referências de artigos e resenhas literárias escritos por Salim Miguel e veiculados em revistas e jornais de todo o Brasil, além de um catálogo de textos jornalísticos que mencionam sua obra. Simultaneamente, a ALB lança um suplemento especial da revista “Libanus” sobre o centenário de nascimento de Salim. Os eventos na UFSC terão a presença de quatro filhos do escritor.
Criado pela neta Atiaia Miguel, o site que entra no ar hoje (salimmiguel100anos.com.br) usou como fonte de pesquisa as Hemerotecas Digitais Catarinense e Brasileira. A parte relativa à Udesc tem a coordenação do Espaço Eglê Malheiros e Salim Miguel, vinculado ao Instituto de Documentação e Investigação em Ciências Humanas da universidade.
O documento contém ainda uma biografia resumida do autor e uma lista de suas obras de ficção e não-ficção, acompanhadas de um breve texto acerca do conteúdo de cada livro. Com 33 obras publicadas em vida, Salim Miguel incursionou por distintos gêneros – romance, conto, novela, ensaio, crônica, poesia, crítica – e também escreveu resenhas, exercitou a correspondência com outros autores e editores e fez entrevistas que alimentaram parte de sua produção. Foi jornalista, editor, roteirista de cinema e animador cultural.
Em Florianópolis, Salim presidiu a Fundação Franklin Cascaes, braço cultural da Prefeitura, de 1993 a 1996, na gestão do prefeito Sérgio Grando. Além da produção literária profícua, Salim foi um dos mentores do Grupo Sul, que trouxe os ares do Modernismo literário para Santa Catarina e deixou rastros também no teatro e no cinema aqui produzidos.
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS VAI DISCUTIR EM MARÇO
A programação já definida prevê, para o dia 21 de março, na sede da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, o painel “Os mil e um Salim – O centenário de Salim Miguel”, com as presenças da professora Muna Omran e do escritor Godofredo de Oliveira Neto, nascido em Blumenau, sob coordenação do acadêmico Antonio Torres. Em 2009, a ABL conferiu a Salim o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto da obra.
Entre 7 e 10 de maio, o Sesc de Nova Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro, promove uma imersão na obra do escritor, com palestra, oficina, leitura dramatizada e debate. A comissão responsável pela agenda do centenário incluiu ainda um evento na Universidade de Brasília, coordenado pela professora Regina Delcastagnè, do Instituto de Letras, vinculado ao Departamento de Teoria Literária e Literaturas da UnB, em data a ser definida.
A Editora da UnB e a EdUFSC devem fazer uma coedição reunindo resenhas e ensaios de Salim Miguel sobre literatura latino-americana, com organização de Luciana Rassier, agente do escritor e tradutora de seu livro “Primeiro de abril: narrativas da cadeia” para o francês. Por fim, a Universidade Federal do Rio de Janeiro programou para o segundo semestre do ano um seminário e um curso de extensão sobre a obra de Salim, a cargo do Departamento de Letras Orientais e Eslavas, com participação do Setor de Estudos Árabes da instituição.
VIDA SEMPRE PRÓXIMA DA ARTE E DA CULTURA
Salim Miguel deixou um legado inestimável para a cultura de Santa Catarina, e todas as homenagens ficarão aquém do reconhecimento que o Estado lhe deve. Com o Grupo Sul, ele e seus companheiros de jornada – Aníbal Nunes Pires, Ody Fraga, Antonio Paladino, João Paulo Silveira de Souza, Walmor Cardoso da Silva, Hassis, Eglê Malheiros (sua mulher, também brilhante escritora) e outros – abriram espaço para novos autores e difundiram nomes locais no país inteiro e fora dele.
Salim nasceu no Líbano e quando tinha três anos sua família migrou para o Brasil, fixando-se em Biguaçu (depois de uma temporada em São Pedro de Alcântara e Antônio Carlos).
Já morando em Florianópolis, o escritor abriu uma livraria onde, além de vender obras de muitos autores nacionais e estrangeiros, reunia os jovens autores afinados com as ideias do modernismo literário brasileiro. A livraria foi incendiada por apoiadores do golpe militar de 1964.Preso e perseguido, Salim mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde, entre outras atividades relevantes, criou a revista literária “Ficção”, junto com Fausto Cunha, Laura e Cícero Sandroni. O casal Salim e Eglê também fez os roteiros para os longas metragens “A Cartomante” e “Fogo Morto”. Antes disso, em 1958, os artistas do Grupo Sul produziram “O preço da ilusão”, primeiro longa catarinense.
GRUPO SUL FOI A VANGUARDA LOCAL DE SETE DÉCADAS
Antônio Carlos Miguel, um dos filhos de Salim, diz que a programação comemorativa ao centenário nasceu do interesse da UFSC e da Udesc e se consolidou com a adesão da Academia Brasileira de Letras e de outras instituições acadêmicas e culturais do país. A revista “Libanus” dedicará 80 páginas ao escritor, em mais um reconhecimento pela obra produzida e pela contribuição que ele deu à cultura. No decorrer do ano, é intenção da família reeditar alguns de seus livros, quase todos esgotados.
“No final dos anos 1940, o casal Salim e Eglê, junto com os demais membros do Grupo Sul, já era vanguarda e atuava na forma de coletivo, muito antes dessa palavra virar moda”, afirma Antônio Carlos.
“Escrever é um evento solitário, mas Salim sempre foi um agregador e por isso deixou muitos amigos e leitores.”
Salim não fazia uma literatura de fácil assimilação, sempre incluía uma pitada de ousadia, e mesmo assim foi muito bem-sucedido como autor.Antônio Carlos destaca que Eglê Malheiros, hoje com 95 anos, teve um papel relevante como escritora, tradutora, crítica literária e mãe de família. Em 2023, um documentário da cineasta catarinense Adriane Canan mostrou a trajetória de Eglê, também professora e líder estudantil combativa. “Ela era a primeira leitora e a primeira crítica dos livros de meu pai, que sem precisar se preocupar com o cotidiano doméstico tinha mais tempo para se dedicar à escrita.”
LIVROS PUBLICADOS
- Velhice e outros contos (1951, Edições Sul)
- Alguma gente (1953, Edições Sul)
- Rede (1955, Edições Sul)
- O primeiro gosto (1973, Movimento/Editora da Udesc)
- A morte do tenente e outras mortes (1979, Antares) A voz submersa (1984, Global/Record)
- 10 contos escolhidos (1985, Horizonte)
- O castelo de Frankenstein: anotações sobre autores e livros (1986, EdUFSC)
- A vida breve de Sezefredo das Neves, poeta (1987, Tchê)
- As areias do tempo (1988, Global)
- O castelo de Frankenstein: anotações sobre autores e livros – Vol. 2) (1990, EdUFSC/Lunardelli)
- Primeiro de abril: narrativas da cadeia (1994, José Olympio)
- As várias faces: novela em três atos (1994, Movimento/FCC)
- As desquitadas de Florianópolis (1995, Rio Fundo) Onze de Biguaçu mais um (1997, Insular)
- As confissões prematuras (1998, Letras Contemporâneas)
- Variações sobre o livro (1998, UfsCAR)
- Nur na escuridão (1999, Topbooks)
- Apontamentos sobre meu escrever (2000, Museu/Arquivo da Poesia Manuscrita)
- Eu e as corruíras (2001, Insular)
- Aproximações: leituras e anotações (2002, Movimento/Livraria e Editora Obra Jurídica)
- Memórias de editor com Salim Miguel e Eglê Malheiros (2002, Escritório do Livro/Imprensa Oficial do Estado de Santa Catarina)
- Estrangeiros: releituras (2003, Letras Contemporâneas)
- Gente da terra: perfis e anotações (2004, Lunardelli)
- Mare nostrum: romance desmontável (2004, Record)
- Cartas d’África e alguma poesia (2005, Topbooks)
- O sabor da fome (2007, Record)
- Jornada com Rupert (2008, Record)
- Minhas memórias de escritores (2008, Unisul)
- Melhores contos: Salim Miguel (2009, Global)
- Reinvenção da infância (2011, Novo Século)
- Fantasia e (é) realidade ou treze textos surreais (2012, Unisul) Nós (2015, EdUFSC)