Mesmo desqualificado para assumir o cargo, Trump poderá concorrer à Presidência

——–( *João Ozorio de Mello)——

Em 8 de fevereiro, a Suprema Corte dos EUA irá realizar a audiência de sustentação oral do processo em que terá de decidir se o ex-presidente Donald Trump pode concorrer às eleições primárias do Partido Republicano — isto é, se deve reverter decisão do Tribunal Superior do Colorado, que o considerou inelegível, por se engajar em insurreição contra os Estados Unidos, ao incitar a invasão do Congresso em 6 de janeiro de 2021.

O processo provocou uma profusão de amicus curiae, bem como de opiniões de juristas e acadêmicos na mídia, com argumentos contra e a favor dos interesses de Trump, quase todos baseados em interpretações dos textos das cláusulas da Constituição que regem a qualificação de pretendentes a cargos públicos — especificamente, a 14ª e a 20ª emendas.

O argumento mais intrigante, no entanto, foi oferecido pelos advogados de Trump, na petição em que sustentam que o Tribunal Superior do Colorado errou em sua decisão. Basicamente, eles alegam que a 14ª Emenda proíbe candidatos eleitorais de assumir cargos públicos, mas não os proíbe de concorrer às eleições para tais cargos.

A Seção 3 da 14ª Emenda diz, resumidamente, que ninguém pode ocupar cargo público se houver se engajado em insurreição ou rebelião contra os Estados Unidos depois de haver anteriormente prestado o juramento, como membro do Congresso, oficial dos Estados Unidos, membro de qualquer legislativo estadual, oficial executivo ou judicial de qualquer estado, de apoiar a Constituição.

E acrescenta: “Mas o Congresso pode, pelo voto de dois terços [dos parlamentares] de cada Casa, remover tal impedimento”. Assim, essa cláusula constitucional não impede ninguém, nem mesmo um insurrecionista, de concorrer à eleição para um cargo público, porque, se eleito, o Congresso tem a última palavra sobre sua qualificação para o cargo.

“Mesmo que o Tribunal Superior do Colorado esteja correto em sua decisão de que Trump não pode assumir o cargo de presidente no Dia da Posse, a corte não tem fundamento jurídico para impedir que ele concorra ao cargo no Dia da Eleição e, se for eleito, peça ao Congresso para remover o impedimento”, diz a petição.

“O Tribunal Superior do Colorado criou um novo sistema de qualificação de candidatos à Presidência, determinando que o Congresso deve remover qualquer impedimento antes que os eleitores e um partido político tenha a oportunidade de escolher um candidato através das eleições primárias”, dizem os advogados de Trump.

Se a Suprema Corte aceitar esses argumentos e declarar que o nome de Trump deve estar na cédula eleitoral das eleições primárias, Trump será o candidato do partido, porque ele tem uma ampla vantagem sobre os demais candidatos republicanos.

Se Trump puder disputar as eleições gerais de novembro e, por acaso, for eleito, o cenário muda para outra Seção 3, dessa vez da 20ª Emenda da Constituição, que estabelece, entre outras coisas:

“(…) Se o presidente eleito não se qualificar [para assumir o cargo], então o vice-presidente eleito deve assumir o cargo interinamente, até que o presidente eleito seja qualificado; e o Congresso pode, por lei, decidir quem será o presidente, caso nem o presidente eleito, nem o vice-presidente eleito, se qualifiquem para assumir o cargo”.

Se a Suprema Corte decidir que Trump pode concorrer às eleições presidenciais, mas não é qualificado para assumir o cargo, ele certamente irá pedir ao Congresso para remover o impedimento – sem sucesso, no entanto, considerando que é preciso que dois terços dos parlamentares do Senado e da Câmara dos Deputados votem a favor do pedido.

Há muito tempo que as duas Casas se dividem, quase que meio a meio, entre republicanos e democratas, porque isso reflete as preferências dos eleitores do país. Assim, mobilizar dois terços dos congressistas a favor de Trump é uma missão praticamente impossível.

Nesse caso, a maior possibilidade é a de que o vice-presidente eleito exerça o cargo de presidente durante todo o mandato de quatro anos. Assim, toma uma enorme importância a decisão que Trump irá tomar, se disputar as eleições primárias e ganhar, sobre quem será o vice-presidente em sua chapa eleitoral.

Se (e é um SE maiúsculo) a Suprema Corte embarcar nas teses apresentadas pelos advogados do ex-presidente, se terá um cenário inusitado na história do país: pela primeira vez, um cidadão sozinho (Trump) irá eleger o presidente dos EUA, no momento em que escolher o candidato à vice-presidência.

(*João Ozorio de Mello é consultor jurídico do Conjur nos Estados Unidos).

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